O presidente Jair Bolsonaro fez seu primeiro grande aceno para a bancada da bala do Congresso. Nesta terça-feira, apresentou um decreto que regulamenta e fragiliza alguns pontos do Estatuto do Desarmamento, flexibilizando os requisitos para a posse de arma —direito de ter um revólver ou pistola em casa. O principal ponto alterado diz respeito ao critério de “efetiva necessidadeâ€. Atualmente, para se ter uma arma é preciso apresentar uma justificativa à PolÃcia Federal, na qual o requerente explica os motivos pelos quais precisa do armamento. Este ponto sempre foi controverso, pois no final a decisão de conceder ou não a posse dependia da avaliação do policial que analisa as razões —a mesma justificativa, como “viver em local perigosoâ€, por exemplo, poderia ser aceita ou não, dependendo de quem processa o pedido.
Bolsonaro ampliou o escopo do que viria a ser efetiva necessidade. O texto do decreto sobre a posse de armas considera que “residentes em área ruralâ€, “residentes em áreas urbanas com elevados Ãndices de violênciaâ€, ou seja, localizadas em Estados com Ãndices de homicÃdio que superam dez por 100.000 habitantes e “titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais†se enquadram na descrição de efetiva necessidade.
Mas quais as consequências as mudanças podem trazer para a vida real, segundo a avaliação de especialistas contrários à medida? No campo, a expectativa é que a ampliação do número de armas possa ser combustÃvel para um aumento na quantidade de mortes em conflitos agrários. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, em 2017 (últimos dados disponÃveis) o interior do paÃs já registrou o maior número de homicÃdios desde 2003: foram 71 vÃtimas, a maioria deles de lideranças comunitárias.
A permissão da posse para residentes em Estados com mais homicÃdios equivale, segundo especialistas, a apagar um incêndio com gasolina. Eles citam a possibilidade do aumento dos casos de feminicÃdio, tendo em vista que a maioria destes crimes ocorre dentro de casa. Em 2018 foram registrados 946 feminicÃdios no paÃs, que ocupa a quinta posição global deste tipo de crime. Além disso, existe o risco do roubo de arma por assaltantes, tendo em vista seu alto valor de mercado. Assim, um revólver comprado para a autodefesa pode facilmente ir parar nas mãos do crime organizado.
O último ponto, de considerar efetiva necessidade o fato dos requerentes da posse serem “titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais†pode ser evocado para driblar a restrição em Estados com menos de dez homicÃdios por 100.000 habitantes. Se você tem uma loja, pode solicitar o porte não importa quão segura seja sua cidade.
Além disso, Bolsonaro tornou o documento de declaração de efetiva necessidade uma mera formalidade, ao colocar no decreto que “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade†por parte da PolÃcia Federal. Caso na casa more alguma “criança, adolescente ou pessoa com deficiência mentalâ€, o dono da arma terá que apresentar uma declaração de que sua residência possui “cofre ou local seguro com tranca para o armazenamentoâ€. A redação do Estatuto deixava ao critério da PolÃcia Federal aceitar ou não a justificativa apresentada.