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Série: MT – Um estratégico corredor nacional

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Terra de ninguém. Assim era o Nortão antes da BR-163, que abriu caminho à sua colonização. Na região havia somente um município: Porto dos Gaúchos. Essa rodovia antecipou a ocupação do vazio demográfico na calha do rio Teles Pires em Mato Grosso, e do Tapajós. Em seu eixo mato-grossense surgiram belas cidades com boa qualidade de vida e a política se segurança alimentar mundial ganhou mais um importante pilar.

 

Couto Magalhães
Antes de se escrever sobre a BR-163 ao norte de Cuiabá é preciso abordar seus idealizadores, os mineiros de Diamantina, Couto Magalhães e Juscelino Kubitschek.
De igual modo é imprescindível focalizar o coronel José Meirelles, também nascido em Minas, que foi o comandante militar responsável pela implantação do maior trecho daquela rodovia.
O estadista JK

José Vieira Couto de Magalhães foi um grande estrategista. Jornalista, historiador, poliglota, advogado e militar governou as capitanias de Goiás, São Paulo e Mato Grosso (2 de fevereiro de 1857 a 13 de abril de 1868).

Antes de combater os paraguaios na retomada de Corumbá, Couto Magalhães criou uma logística para transportar combatentes paraenses ao teatro da guerra que o Brasil juntamente com a Argentina e o Uruguaio travavam com o Paraguai (1864/1870).

Ele construiu navios em Cuiabá, mandou desmontá-los e transportá-los em lombo de burro e carro de bois até Araguaiana, onde seriam remontados e navegariam até o território paraense.

Couto Magalhães sentiu a necessidade de se criar uma rota segura entre Cuiabá e Santarém.

A grande obra

Juscelino, o maior estadista brasileiro, abraçou esse projeto e em 1957 anunciou o plano para criar uma cruz rodoviária na Amazônia ligando o Brasil de Leste a Oeste e de Norte ao Sul.

Em suma JK sonhava com a construção da Transamazônica (BR-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163). Essa cruz mais tarde ganharia forma rodoviária no município paraense de Itaituba, onde as duas rodovias se cruzam.

O “Circo do Meirelles

Meirelles foi o primeiro comandante do 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) unidade militar criada em 29 de julho de 1970 em substituição ao 3º Batalhão Rodoviário instalado em Carazinho, no Rio Grande do Sul.

O 9º BEC foi instalado no dia 31 de janeiro de 1971, em Cuiabá, mas desde setembro do ano anterior seus efetivos e funcionários civis trabalhavam na construção da 163.

A obra da 163 foi delegada ao Exército pelo Ministério dos Transportes e sua execução era considerada estratégica dentro do Plano de Integração Nacional para a ocupação do vazio demográfico amazônico.

Dois bordões a inspiravam “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. Meirelles deveria executá-la até a divisa com o Pará, numa extensão de 793 quilômetros, onde o 9º BEC se encontraria com o 8º BEC, de Santarém. Porém, o ritmo dos trabalhos foi tão intenso que a frente da obra rumo norte estendeu seu trecho ao córrego Santa Júlia, no Pará, 321 quilômetros à frente perfazendo a extensão de 1.114 quilômetros.

Discreto, Meirelles evitava citar nomes importantes na construção.

Porém, numa de nossas conversas em sua casa, revelou-me que o topógrafo civil Antônio Nunes Severo Gomes foi exemplar.

No comando, o coronel defendia junto ao Incra a regularização fundiária do eixo da rodovia e colaborava com os projetos privados de colonização no Nortão.

Sobre a obra Meirelles falava pouco. Mesmo assim arranquei duas informações dele que julgo importantes: foi a companhia aérea Cruzeiro do Sul a executora do serviço de aerofotogrametria da 163.

Os acampamentos eram montados às margens dos rios, o que contribuía para o aumento da incidência da malária. Isso o levou a construir carroções montados sobre chassis e os rebocava na medida em que a frente de serviço avançava. As gerigonças foram apelidadas de “Circo do Meirelles”, mas reduziram a taxa da doença.

Aos que tombaram

O 9º BEC estava no auge da popularidade.

Para evitar possíveis ciumeiras por parte do 16º Batalhão de Caçadores (rebatizado 44º Batalhão de Infantaria Motorizado) em Cuiabá, mineiramente Meirelles criou o conciliador slogan “Integração é com o 9º BEC e Segurança com o 16º Batalhão de Caçadores”.

Quantos tombaram na construção da BR-163 em Mato Grosso? Não há resposta precisa. Uma placa à margem da rodovia em Novo Progresso (PA) relaciona 21 militares e civis mortos vítimas de acidentes, malária e outras causas.

Porém esse número pode ser muito maior, porque soldados e trabalhadores na obra contraíram malária e após seus desligamentos do 9º BEC não há registros sobre cura ou óbito.

 

Geisel inaugura a rodovia

Obra consumada e o presidente Geisel a inaugura

Em 20 de outubro de 1976, na Cachoeira do Curuá, o presidente Ernesto Geisel inaugurou a rodovia. Geisel estava acompanhado pelos ministros Sílvio Frota (Exército) e Dirceu Nogueira (Transportes), e dos governadores Garcia Neto e Aloísio da Costa Chaves (Pará).

Mais que a inauguração de uma rodovia na Amazônia Geisel entregou ao tráfego um estratégico corredor nacional, que seria o pilar da ocupação de um grande vazio democráfico no Brasil interior.

 

SANTARÉM – Cuiabá é logo ali

LONGITUDINAL – A 163 é uma longitudinal com 4.447 quilômetros. Começa em Tenente Portela (RS), cruza Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e termina em Acotipa, no Pará, na fronteira com o Suriname.

O trecho entre Cuiabá e Santarém é chamado de Cuiabá-Santarém e tem 1.770 quilômetros. A 163 liga o centro geodésico da América do Sul ao porto de Santarém, na foz do Tapajós no Amazonas. No Pará seu nome é Santarém-Cuiabá.

Partindo do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na área metropolitana de Cuiabá, a 163 tem um trecho de 155 quilômetros coincidente com a BR-364. Em Posto Gil, município de Diamantino, as duas rodovias se bifurcam: a 364 avança rumo oeste pelo Chapadão do Parecis, para Rondônia, e a outra segue em direção norte, para Santarém.

Em Posto Gil, rumo norte, começa o trecho isolado da Cuiabá-Santarém, que em Mato Grosso cruza os perímetros urbanos de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte.

Em 2020, transcorridos 44 anos da inauguração a rodovia está pavimentada até a vila de Miritituba, no município de Itaituba (PA), onde opera um porto no rio Tapajós, que escoa commodities agrícolas mato-grossenses para várias partes do mundo
A 163 está em obra de duplicação no trecho de 850 quilômetros entre o município de Itiquira, na divisa com Mato Grosso do Sul até Sinop.

Da divisa em Itiquira a Cuiabá a rodovia está duplicada faltando somente concluir as travessias urbanas de São Pedro da Cipa, Jaciara e Cuiabá. Essa obra é híbrida, executada pelo governo federal e a concessionária Rota do Oeste, que explora a rodovia em regime de concessão por 30 anos a contar de março de 2014.

 

O coronel Meirelles

MEIRELLES – Em 1992 Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá com Meirelles de vice. Em meados de 1994 Dante deixou a prefeitura para disputar e vencer a eleição ao governo e Meirelles assumiu o cargo.

Certa feita me confidenciou que esteve a um passo da renúncia, diante das pressões de vereadores por dinheiro sujo.

Legalista e avesso à corrupção, planejou deixar a prefeitura, mas sua mulher Zulmira Meirelles não permitiu que o fizesse, para não macular sua biografia.

Em 28 de agosto de 2012, aos 89 anos, quando fechou os olhos pela última vez, vencido por um choque hemorrágico causado por um aneurisma, Meirelles levou para o túmulo seu desencantando com a Câmara Municipal de Cuiabá, que segundo ele, era abominável.

 

Eduardo Gomes – Boamidia

FOTOS:

1, 4, 5 e 7 – 9º BEC

@ – Arquivo Nacional

3 – Museu JK

6 e 8 – Boamidia

9 – Geraldo Tavares

 

 

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