Pesquisadores chineses usaram técnicas avançadas de microscopia para enxergar o local exato das células humanas onde se acopla o novo coronavírus, que já matou mais de 3.000 pessoas desde o fim de 2019. Os dados, que acabam de sair na revista especializada Science, podem ajudar os cientistas a desenhar estratégias que bloqueiem com precisão a entrada do parasita microscópico.
A equipe liderada por Qiang Zhou, da Universidade do Lago Ocidental, em Hangzhou, usou uma técnica conhecida como crio-ME (criomicroscopia eletrônica). As amostras são analisadas em temperaturas próximas das do nitrogênio líquido (perto dos 200 graus Celsius negativos), o que permite observar suas estruturas quase átomo a átomo.
A abordagem foi empregada para investigar a configuração de uma fechadura molecular específica da parte externa das células, que está presente em órgãos como os pulmões e o coração. Essa fechadura ou receptor, designada pela sigla ECA2 (enzima conversora da angiotensina 2), normalmente está associada à produção de uma substância importante para regular a pressão do sangue (a angiotensina), mas tem sua ação “sequestrada” por alguns coronavírus.
Entre eles está o causador da Sars (síndrome respiratória aguda grave, cujo surto inicial também ocorreu na China) e seu parente próximo, o novo vírus.
É na ECA2 que ambos os tipos de parasitas fincam uma glicoproteína (ou seja, uma molécula que é parte proteica, parte açúcar), a chamada proteína S, que permite que os vírus se fundam à membrana das células humanas e as invadam. A análise conduzida pela equipe chinesa mostrou que as proteínas S do vírus da Sars e a do novo coronavírus têm ligeiras diferenças em sua interação com a fechadura das células, o que poderia ser parte da explicação para a maior capacidade de se espalhar pela população humana do parasita recém-descoberto.
Análises desse tipo costumam ser importantes para o chamado design racional de medicamentos, porque as moléculas de remédios precisam ter uma estrutura tridimensional capaz de bloquear a ação das estruturas correspondentes nos vírus ou outros causadores de doenças. Trata-se apenas do início desse caminho, no entanto.
Em outro estudo, publicado na revista científica Nature Microbiology, um grupo de especialistas do Comitê Internacional Sobre a Taxonomia de Vírus conferiu um nome oficial ao novo patógeno e detalhou o que se descobriu até agora sobre seu parentesco com outros vírus.
A equipe, coordenada por Alexander Gorbalenya, do Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda, afirma que a posição da nova ameaça na árvore genealógica dos vírus ainda não está totalmente clara, embora alguns dados indiquem que ele pode pertencer à mesma espécie do causador da Sars, com o nome oficial Severe acute respiratory syndrome-related coronavirus (“Coronavírus relacionado à síndrome respiratória aguda grave”; a padronização exige que o nome oficial fique em itálico, a exemplo de nomes de espécies de animais, como Homo sapiens).
A variante que emergiu como causadora de uma nova doença no fim de 2019 será oficialmente conhecida pela sigla Sars-CoV-2, enquanto a moléstia em si recebe o nome formal de covid-19. Os autores do estudo são favoráveis ao nome genérico da doença, que não faz referência aos sintomas, porque ainda não está claro qual é a verdadeira variedade de sintomas que o patógeno é capaz de causar nas pessoas infectadas.
No estudo, Gorbalenya e colegas defendem que o melhor método de classificação de novos vírus é a comparação detalhada de seu material genético com o de vírus já conhecidos e destacam a importância de novos estudos sobre a diversidade desses parasitas na natureza, já que nunca será possível saber quais conseguirão saltar de outros animais para seres humanos.
Desde o início do alerta global sobre os riscos trazidos pelo novo coronavírus, as publicações científicas com dados sobre o patógeno estão sendo feitas em ritmo mais veloz que o normal e com acesso livre ao público, ao contrário do processo normalmente mais moroso e com cobrança de acesso que ainda é comum em revistas acadêmicas. Um fenômeno parecido ocorreu durante o auge da epidemia de zika, em 2015, depois que ficou claro que a doença podia causar microcefalia e outras anomalias severas.