Contaminado pela Covid-19, durante os 24 dias em que esteve em coma, o advogado cuiabano André Barcelos, 40 anos, viveu muitas experiências no estágio de quase morte.
André retornou à casa onde viveu sua infância e adolescência, em Várzea Grande, esteve nas escolas onde estudou e nos antigos locais de trabalho.
Ele até se fartou com as guloseimas que mais gostava na infância e as que ainda aprecia na vida adulta. Entre as quais, leite gelado com chocolate e o docinho bem-casado.
Todavia, nesse retorno ao passado, a experiência que mais o marcou, quem estava muito doente não era ele, mas sua irmã, Aline Barcelos.
Na viagem do coma André Barcelos voltou à casa para visitar a irmã Aline, que estava doente. Então, saiu com ela em uma caminhada de despedida.
Somente quando o passeio chegou ao final André diz que entendeu que a despedida seria dele. A caminhada encerrou com a irmã o apontado no leito da UTI, em um hospital de Atibaia, São Paulo.
As experiências do coma, conta André, pareciam muito reais. Tanto, que estavam claras em sua memória ao acordar de volta à vida.
Ele apresentou os primeiros sintomas da Covid-19 no início de março deste ano, dias após retornar de uma viagem de trabalho à Boa Vista, capital de Roraima.
Lá, recorda André, fez seis reuniões, a maioria com diversas pessoas presentes.
Mesmo usando máscara, álcool em gel e adotando outros cuidados, o advogado retornou da viagem com um sentimento de que estava infectado pelo novo coronavírus.
Dois dias depois do retorno, em um domingo, sentiu-se cansado e indisposto. Procurou uma farmácia para fazer o teste rápido e o resultado foi positivo para a doença.
Ainda no domingo, André passou por consulta médica online. No dia seguinte começou a fazer uso da medicação receitada.
Seguiu trabalhando enquanto fazia o tratamento domiciliar. No entanto, após cinco dias apresentou febre de 40 graus.
Depois disso, André passou pelo pronto atendimento de dois hospitais privados de Cuiabá.
No primeiro, o diagnóstico foi de que estava com 50% dos pulmões tomados e que a infecção já havia atingido a corrente sanguínea. Não foi internado por falta de vaga.
André retornou para casa e no dia seguinte passou pela emergência de outro hospital. Nesse, os médicos o internaram.
Consciente, André percebeu que o hospital em que estava vivia um caos, superlotado de pacientes da Covid.
O atendimento estava tão precário que a família contratou um enfermeiro e pediu ajuda a um fisioterapeuta amigo para acompanhá-lo.
A um dos sócios do escritório de advocacia ‘Barcelos, Esteves e Gerônimo’, ele passou a mensagem: “se continuar aqui, com certeza eu vou morrer”.
Transferido dois dias depois em UTI aérea para um hospital em Atibaia, São Paulo, André foi intubado logo após passar pela avaliação de três médicos.
“Se aqui fiquei em um leito sem receber visita médica, lá havia três médicos me avaliando”, desabafa. E, observa, o mesmo convênio médico que garantia seu atendimento aqui cobriu os custos da assistência em São Paulo.
No momento em que recebeu a notícia de que seria intubado, apresentada como única saída para tentar salvar sua vida, a maior preocupação de André era com a família.
“Podem me entubar, mas me tragam de volta, tenho três filhos para criar”, avisou aos médicos.
André é casado com Smyrna Yamashita, com quem tem três filhos: Lara, de seis anos, Marina, de três, e Pedro Barcelos, de apenas um ano.
O advogado chegou a ter mais de 80% dos pulmões afetados e uma série de outras complicações. Na penúltima semana do coma, a doença se agravou ao ponto de a esposa ser chamada para acompanhá-lo em seus últimos dias de vida.
Até então, Ismirna Barcelos permanecia em Cuiabá, com os três filhos pequenos. Deixou as crianças com a cunhada Aline Barcelos e seguiu para ver o marido.
“Isso ocorreu em um domingo, dois dias depois, com minha esposa no hospital, acordei do coma”, recorda ele.
André despertou fisicamente debilitado. Ele havia perdido 34 quilos, porém a cabeça estava bem, com a memória restabelecida.
Permaneceu mais 10 dias no hospital e outros seis em um hotel da cidade, até que recebeu alta para retornar à Cuiabá.
Ele ainda apresenta sequelas da doença. Já recuperou grande parte dos quilos e continua em acompanhamento médico. Uma das sequelas é o desgaste ósseo, necrose nos dois fêmures.
Homem de muita fé, praticante do catolicismo, André e sua família estão certos de que estar vivo é a soma da busca por melhor assistência e do milagre da vontade de Deus.
Milagre, conforme ele, da própria luta pela vida e, especial, da mobilização de centenas de pessoas, amigos e desconhecidos, em correntes de orações e súplicas.
“Sou um homem renovado, grato à assistência que recebi e a todos que oraram”, completa. Ele diz que tudo o que passou o fez rever suas prioridades.
Uma das mudanças que já fez, conta, foi diminuir o ritmo de trabalho para passar mais tempo com a família.
ALECY ALVES
Da Reportagem/Diário de Cuiabá