Contaminações no ecossistema, alimentos, animais e em humanos – neste último, resultando em doenças crônicas. Esses são os resultados apontados por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sobre os impactos da exposição a agrotóxicos em todo o território de municípios da região Oeste de Mato Grosso, que são conhecidos pelo forte domínio do agronegócio: Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio e Sapezal.
Publicado em agosto, o estudo intitulado “Pesquisa participativa com populações expostas aos agrotóxicos em Mato Grosso: aspectos metodológicos e desafios políticos” foi realizado entre 2015 e 2019. Os pesquisadores afirmaram que escolheram esses municípios da bacia hidrográfica do rio Juruena, pois compõem as bacias do rios Tapajós e Amazonas, responsáveis por banhar 70% do território do estado de Mato Grosso.
Além disso, as três cidades se configuram como “território emblemático das confluências e divergências entre população, latifundiários, agricultores familiares e povos originários” e estão entre os maiores produtores do estado de commodities agrícolas – soja, milho e girassol.
De acordo com os autores da pesquisa, quando pulverizados, os agrotóxicos não alcançam somente as espécies a serem controladas nas lavouras, mas todo o ecossistema da região onde foram aplicados.
“Em relação à exposição ambiental per capita por agrotóxicos, no ano de 2015, em Campos de Júlio, chegou a 606 litros/hab; em Sapezal, 364 litros/hab; e em Campo Novo do Parecis, 209 litros/hab. Sendo que, juntos, representam um valor 8,5 vezes acima da média estadual, o que justifica a escolha do local para o desenvolvimento da pesquisa”, diz trecho do estudo.
Também fortaleceram o início do estudo as denúncias da comunidade indígena Paresí, devido à contaminação de suas águas pelas atividades do agronegócio, e também do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública de Mato Grosso (Sintep-MT), diante da contaminação por agrotóxico da água potável de escolas da região.
Consequências e casos “silenciados”
Durante o estudo, foram realizadas coletas de água (chuva, rios e água potável de poços artesianos), ar, alimentos (legumes, verduras, bovinos e peixes), commodities agrícolas (soja, milho, girassol, sementes de algodão) e amostras humanas (sangue e urina).
Também foram aplicados questionários para identificar condições de saúde associadas à pulverização de agrotóxicos – a chamada “nuvem de veneno” – para o levantamento do perfil de morbidade dos moradores da região.
Dentre uma diversidade de agravos preenchidos estão aborto espontâneo, malformação, alergias, irritação nas mucosas, baixa imunidade, diarreia, dor de cabeça, mal-estar, problemas respiratórios, câncer, doenças renais, ansiedade e depressão.
Os resultados obtidos por meio dos questionários evidenciaram que diversos trabalhadores tiveram episódios de intoxicação por agrotóxicos e não procuraram o serviço de saúde; e para os que procuraram, não houve a notificação da intoxicação exógena por agrotóxico.
“Apesar da exposição ambiental, ocupacional e alimentar aos agrotóxicos, parece haver um silenciamento das notificações mediante pressões políticas que priorizam a economia em detrimento da saúde da população”, afirmam os pesquisadores.
Devido a isso, uma das iniciativas dos pesquisadores foi encaminhar os resultados da pesquisa, ainda no ano de 2018, às secretarias de Saúde de Campos de Júlio, Campo Novo do Parecis e Sapezal.
“Diante desses impactos negativos do agronegócio, tem-se o desafio de compreender, comprovar e divulgar a imposição dos malefícios dos agrotóxicos às populações, aos trabalhadores e ao ambiente em que eles residem. Desse modo, parte-se do princípio de que se a população é obrigada a suportar, ela tem o direito de acesso ao conhecimento desses processos”, destacam os pesquisadores.
Outro lado
O RD News entrou em contato com as prefeituras dos três municípios, no intuito de verificar se estariam realizando medidas para melhoria nas condições de saúde e alimentação da população, após a devolutiva da pesquisa. Entretanto, a reportagem não obteve resposta até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Cecília Nobre/RD News