O Parlamento Europeu e os Estados-membros da União Europeia (EU) chegaram, na madrugada de terça-feira (6), a um acordo para proibir a importação para o território do bloco de produtos que contribuem para o desmatamento. Apesar de ser considerado como uma vitória para a proteção das florestas, ambientalistas temem que a nova regra aumente ainda mais a pressão sobre o Cerrado, não incluído no texto.
O documento foi celebrado por ONGs como um marco histórico para a proteção das florestas. Além de ampliar a lista de produtos que podem ser barrados, o texto inclui itens que contenham ou que sejam provenientes de animais que tenham sido alimentados com commodities produzidas em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
A lei também inclui a ideia de desmatamento zero, já que não faz diferença entre áreas desmatadas legal ou ilegalmente.
“A gente acredita que essa legislação, como foi aprovada, é incrível”, diz Katia Favilla, secretária executiva da ong Rede Cerrado. “É uma vitória da sociedade civil e das negociações esse reconhecimento da União Europeia, de que há um problema no Brasil e de que eles precisam cuidar e olhar para isso de uma forma específica”, reconhece.
Kátia lamenta, no entanto, a não inclusão do cerrado no texto e teme o aumento do desmatamento do bioma e o risco de conflitos e de ameaças à vida de lideranças de povos indígenas e comunidades tradicionais.
“Da forma que está escrita a lei, apenas 24% do cerrado (constituído por zonas de floresta) estão protegidos”, explica. “Nesse ponto a legislação nos preocupa. Quando a lei não considera o cerrado em sua totalidade, a gente passa a ter uma fragilidade do bioma, dos territórios dos povos tradicionais que estão nele. A pressão agora vai vir muito forte nesses territórios. Então, para nós é um alerta”, afirma.
O acordo foi aprovado com um compromisso de ser revisto daqui a um ano para avaliar a inclusão de outras áreas arborizadas (other wooded land) e biomas. Para Kátia, 2023 será um ano de “muita expectativa e monitoramento”.
“A gente precisa fazer com que o Parlamento Europeu entenda que do mesmo jeito que existe uma preocupação com a preservação da Amazônia e dos povos indígenas da Amazônia, nós temos inúmeras comunidades quilombolas, centenas de povos tradicionais e comunidades que precisam também ser conservados, que precisam também ser olhados. Isso o Parlamento europeu precisa entender de forma muito urgente, se não daqui a pouco a gente não vai ter mais esses territórios e esses povos”, alerta.
Desmatamento legal e ilegal
Para o economista do meio ambiente e pesquisador Alain Karsenty, do Centro de cooperação internacional e pesquisa agroeconômica para o desenvolvimento (CIRAD), o mais importante no novo texto é a não distinção entre desmatamento legal e ilegal.
“Desde o fim de 2021, os britânicos têm um texto equivalente, com uma diferença notável: o texto britânico proíbe a entrada de produtos vindos de desmatamento ilegal”, destaca. “O texto europeu não faz diferença entre desmatamento legal ou ilegal. Assim, produtos que tenham origem de desmatamento considerado ‘legal’ segundo o texto de alguns países, serão impedidos de entrar na Europa”, explica.
Sobre a forma de fiscalizar as novas regras, o especialista diz que “toda a responsabilidade vai recair sobre os importadores. São esses operadores econômicos que terão de controlar os fornecedores para saber se o produto colocado no mercado não vem de desmatamento”, afirma. “Todas as terras que serviram para a produção devem ser geolocalizadas com as coordenadas”, especifica. Karsenty lembra ainda que haverá “mecanismos de sanções financeiras e controles aleatórios, porém rígidos” para verificar o cumprimento das normas.
O especialista também destaca que os países enfrentam situações muito diferentes e que às vezes é difícil contemplar todas as ameaças numa legislação ampla. O Parlamento Europeu deixou o prazo de um ano para refletir sobre a inclusão de “outras áreas arborizadas”, como o cerrado, que se estende pelo Brasil, Paraguay e Bolívia.
“O que vale para o Brasil, não vale para outros países na África”, alerta Karsenty. “O Brasil tem espaço de pastagens degradadas para plantio de culturas, tem alternativas. Já a África não, e as plantações avançam sobre a savana ou as florestas. A regulamentação terá que olhar caso a caso, pois senão pode haver problemas de aplicação” da lei, conclui.
Paris pede implementação rápida
A França saudou nesta terça-feira o “texto inovador” adotado pela União Europeia. Paris pediu a sua “implementação o mais rapidamente possível” por meio da abertura de um diálogo com os países produtores e consumidores de todo o mundo.
“Trabalhamos para isso e a França mostrou o caminho: a União Europeia proíbe a importação de produtos resultantes do desmatamento. Somos os primeiros no mundo a fazer isso! A batalha pelo clima e pela biodiversidade continua acelerada”, afirmou o presidente francês, Emmanuel Macron, em sua conta no Twitter.
A França fez da luta contra o desmatamento uma de suas prioridades durante o período em que esteve na presidência da UE. Poucos dias antes do fim de seu mandato de seis meses, o país obteve, em 28 de junho, a concordância dos 27 Estados-membros durante o Conselho de Ministros Europeus do Meio Ambiente para proibir a importação para a UE de seis produtos (soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau, café) que contribuíssem para o desmatamento, mas não incluía a borracha ou outros ecossistemas ameaçados.
A poucas horas do início da COP15 centrada na biodiversidade que começa em Montreal (7 a 19 de dezembro), o texto “pioneiro e ambicioso” aprovado pelo Parlamento Europeu “constitui um grande passo a frente na luta contra a desflorestação e a degradação florestal”, reagiu o ministro da Transição Ecológica da França, Christophe Béchu, em um comunicado à imprensa.
RFI