Voto vencido no julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que aprovou a compra da Oi por Vivo, Claro e TIM anteontem, o relator do processo, Luis Braido, de 47 anos, disse que o cenário mais provável agora é que haja alta de preços no setor, com aumento nas margens de lucros das empresas, e consumidores sendo obrigados a migrar para pacotes de maior custo.
“Empresas gastam muito de seus recursos para manter seu poder de mercado, e a conta cai na mão do consumidor”, afirmou com exclusividade ao Estadão/Broadcast. Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor anteontem deu um voto muito duro contra a compra da Oi Móvel por Claro, TIM e Vivo. O que vai acontecer agora com o mercado brasileiro?
Fiz uma análise seguindo os parâmetros tradicionais do antitruste, e a empresa ia mal em todos os critérios. Dado que as empresas se negaram a negociar remédios estruturais de verdade, não havia como aprovar. A margem de lucro das empresas hoje é alta, mais de 40%. Com a operação, vai ficar disso para mais. A Oi adotava estratégia de redução de preços para competir, era o tíquete médio mais barato do mercado. O cenário mais provável é que isso não será mantido, que os pacotes serão padronizados, forçando o consumidor a migrar para produtos de maiores preços.
A posição que prevaleceu no Cade é de que as condições oferecidas pelas empresas foram suficientes. Como o sr. avalia os remédios que foram negociados?
As negociações ocorreram muito a conta-gotas. As empresas estavam pouquíssimo dispostas a ceder. Eu recebi a última proposta de acordo na véspera da sessão de julgamento, à noite. Eu acho que medida boa é venda, não aluguel. Quando eu alugo sua casa, não estou independente de você, tenho de sentar, negociar preço. E você não vai me dar um preço que me permita competir com você. No fundo, você vai me forçar a cobrar o seu preço. Não adotamos remédios que vão resolver os problemas estruturais. Melhora, mas não resolve.
A questão central do julgamento foi a Oi estar em recuperação judicial. O argumento de uma ala do conselho foi de que a empresa entraria em falência. Houve muito argumento que criou um terror de ser responsabilizado por isso (falência da Oi). Não foram suaves nesse tipo de ameaça velada. Presenciei reuniões em que falaram ‘vai ficar nas suas costas a falência da empresa’. Nas minhas costas fica a análise técnica que fiz. Executar a Oi não ia machucar o consumidor. Os credores iam perder, os acionistas iam perder, mas o consumidor não. Assumir essa postura de defender credor não é nossa função.
Em alguns momentos do voto, o sr. fez alguns desabafos e chegou a dizer que as empresas apostaram na “captura do Estado brasileiro”. O que o senhor quis dizer com isso?
As empresas tinham certeza de que iam ganhar desde o começo, não tinham dúvidas. Tiveram uma postura muito truculenta nas negociações, muito intransigente. O poder econômico é capaz de comprar narrativas e vi isso acontecer aqui. Quando começa a envolver agentes públicos se manifestando contra ou a favor, ou atuando para fazer pressão, isso passa do bom tom e sinaliza um problema acadêmico que é a captura do Estado. Empresas gastam muito de seus recursos para manter seu poder de mercado, e a conta cai na mão do consumidor.
Houve críticas em decisões como da Localiza/Unidas de que o Cade tem permitido uma concentração maior em alguns mercados.
O Cade tem uma tradição de negociar e intervir o mínimo possível nos negócios, e isso leva a recorrer a remédios (condições para a aprovação) talvez mais vezes do que o adequado. Há um tabu entre reprovar operações, e acho que isso deveria ser revisto.
Estadão