O designer gráfico Cícero Moraes, de Sinop, no norte do estado, é o mais novo membro do “clube internacional de gênios”. A Mensa International – associação de superdotados, sem fins lucrativos – é a maior sociedade de alto QI do mundo e reúne pessoas com altas habilidades ou superdotação (AH/SD), com inteligência nos 2% do topo de qualquer teste de inteligência padrão aprovado.
Foi em meio à crise da meia-idade que Cícero, de 39 anos, descobriu ser um superdotado. A inquietação, as crises de ansiedade e a busca por autoconhecimento o levou a trilhar o caminho até o diagnóstico.
“Entrei de cabeça na leitura de materiais que revelassem o que estava acontecendo comigo. Eu imaginava que fazia parte do espectro autista ou algo parecido, pois desenvolvi comportamentos de aversão a pessoas e ambientes poluídos, hiperfoco, sensibilidade à luz, aversão a alguns sons, mapeava com facilidade o humor de quem estava próximo, a fome me deixava irritado e não tolerava injustiça”, relatou ao g1.
Após meses de estudo por conta própria, acompanhamento com psicólogo e avaliação de uma neuropsicóloga, ele recebeu o laudo final de que era uma pessoa com altas habilidades ou superdotação (AH/SD).
“Nunca achei que poderia ser. Fiquei emocionado e aliviado, foi como tirar um peso das costas. O mais agradável de toda essa experiência é que parece que eu fiz as pazes comigo mesmo, passei a me entender melhor, a respeitar os limites, as características, a saber descansar ao passo que ganhei mais coragem para exercer atividades que outrora me cansavam bastante”, explicou.
Após o diagnóstico, Cícero reuniu a documentação e a enviou ao Mensa, que fez a análise e, frente aos resultados obtidos, o aceitou no clube, na última semana.
“Foi uma honra muito grande, posto que trata-se do reconhecimento público de habilidades que eu aprecio e desenvolvo há anos”, ressaltou.
O designer agora espera fazer amigos dentro do clube e se desenvolver ainda mais dentro do campo científico.
“É um movimento natural do ser humano buscar pessoas com as mesmas afinidades, de modo que espero fazer bons amigos, conhecer pessoas que gostem de compartilhar conhecimento e, claro, compartilhar com eles o meu conhecimento e experiência acadêmica e científica”, pontuou.
Trajetória
Cícero é especialista em computação gráfica e já produziu trabalhos de grande relevância, como a reconstrução do casco de um jabuti que perdeu a proteção durante um incêndio em 2015, sendo a primeira feita em impressora 3D no mundo. O trabalho o levou ao ‘Guinness Book 2022’ – o Livro dos Recordes.
Recentemente, um estudo arqueológico iniciado há 25 anos, somado ao minucioso trabalho de animação gráfica dele, revelou o rosto de Zuzu, uma das primeiras pessoas a ter habitado o Brasil.
O designer contou que começou a estudar sobre computação gráfica 3D por volta de 1990. Inicialmente, trabalhando com maquetes eletrônicas.
“Portei para o mundo digital o conhecimento analógico que adquiri com 12 anos, quando era desenhista auxiliar de alguns escritórios de arquitetura. Como eu já ganhava o meu dinheirinho desde aquela época, me pareceu uma boa ideia começar a fazer o trabalho nos computadores”, explicou.
Em 2011, ele disse ter reagido a um assalto e levou um tiro de raspão na cabeça. O episódio o levou a uma crise de ansiedade e o medo o deixou “isolado” em casa.
“Como me via desgostoso de quase tudo o que me rodeava, busquei aprender sobre um campo que me havia chamado a atenção, também na década de 90, quando assisti a um programa em que apresentaram a técnica de reconstrução facial forense, onde, a partir de um crânio, reconstruíam o que seria a face do indivíduo em vida”, relembrou.
Em pouco tempo de estudo, segundo Cícero, ele superou a ansiedade acerca do assalto e fechou parcerias com pesquisadores internacionais, apresentando o trabalho em vários países.
“Um dos desdobramentos desse projeto foi o interesse por parte de médicos e cirurgiões dentistas sobre a abordagem 3D digital sobre a face, que se desdobraram em parcerias de desenvolvimento de tecnologia culminando em soluções para o planejamento cirúrgico humano, que hoje é meu ganha pão, e a confecção de próteses animais e humanas”, contou.
‘O clube dos mais inteligentes’
O Mensa é uma sociedade fundada no Reino Unido, em 1946, que reúne pessoas com “mentes brilhantes”, independentemente da idade, raça, escolha política ou religiosa. No mundo, são mais de 150 mil membros, sendo cerca de 2,1 mil brasileiros.
Em Mato Grosso, segundo a última contagem da instituição, em setembro do ano passado, há 14 pessoas com QI elevado que compõem o clube. Com Cícero, agora, o número sobe para 15.
Do total de superinteligentes identificados pela entidade no Brasil, 70% têm entre 19 e 36 anos. As pessoas entre 13 e 18 anos correspondem a 10%, mesmo patamar verificado para a faixa etária entre 37 e 45 anos. Apenas 5% possuem mais de 45 anos de idade.
Para ingressar na sociedade, é preciso fazer uma prova de inteligência, devidamente aprovada e supervisionada. Conforme as regras, é necessário ter um desempenho melhor do que 98% das pessoas que possuem a mesma idade em um teste de inteligência.
O designer realizou três testes antes de ser aceito no clube. Em um deles, ele ficou na faixa de 1% (percentil 99%), outro na faixa 0,70% (99,3%) e outro na faixa 0,30% (99,7%).
Sou um superdotado?
Ao g1, a neuropsicóloga Daiane Azevedo explicou que o quadro de superdotado contempla habilidades cognitivas, afetivas, sociais, emocionais, entre outras, e pode se basear na teoria dos Três Anéis de Renzulli, que descreve a superdotação em uma tríade: habilidades intelectuais acima da média, criatividade e comprometimento com a tarefa.
“A investigação diagnóstica do quadro precisa ser realizada através de uma avaliação multidimensional que contemple a aplicação de testes cognitivos, observação, aplicação de questionários e investigação da história de vida do indivíduo”, explicou.
Segundo ela, há profissionais que se baseiam no resultado do QI como único indicador do quadro, no entanto, atualmente, esse indicador é um limitador para avaliar as múltiplas habilidades de uma pessoa, olhando, por exemplo, para as inteligências múltiplas.
“Temos dois tipos de superdotação: escolar ou acadêmico, que contempla habilidades identificadas nos testes cognitivos; produtivo-criativo, relacionado a habilidades práticas, criativas, artísticas e desenvolvimento de ideias, aos quais não necessariamente contempla as capacidades observadas nos testes de QI. Além disso, características intrapessoais ou externas podem interferir no desempenho nos testes”, pontuou.
Características que camuflam a superdotação:
Timidez
Transtornos de aprendizagem
Ansiedade e depressão
Transtorno do espectro autista
Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
Falta de oportunidades
Questões socioeconômicas
Crises ou tragédias
Disfunções familiares
A neuropsicóloga ressalta que é importante uma avaliação multidimensional que se atente às características de precocidade no desenvolvimento, facilidade na aprendizagem, habilidade de linguagem, comportamento questionador ou desafiador, dificuldades com fracasso, sensibilidade, habilidade de raciocínio e pensamento abstrato, imaginação vívida, grande interesse por um assunto ou determinado tema, impaciência com tarefas, insatisfação constante, independência, autocrítica, capacidade de argumentação, dificuldade com frustração, intensidade emocional, dentre outros.