O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que a regulação das redes sociais deve ser uma das prioridades da agenda global. Segundo ele, é preciso evitar que plataformas on-line ameacem a democracia e a “interação civilizada” entre as pessoas.
As declarações estão em uma carta lida pelo secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), João Brant, nesta 4ª feira (22.fev.2022) na conferência global Internet for Trust, realizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em Paris (França). Eis a íntegra do documento (119 KB).
“Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada por decisões de alguns poucos atores que controlam as plataformas digitais”, disse Lula na carta.
O presidente citou o 8 de Janeiro, quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Segundo Lula, a democracia brasileira “venceu essa batalha” e saiu fortalecida.
“O que ocorreu naquele dia foi o culminar de uma campanha, iniciada muito antes, e que usou, como munição, mentiras e desinformação”, afirmou. “Esta campanha tinha como alvos a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande parte, esta campanha foi alimentada, organizada e divulgada através de várias plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Ela utilizou o mesmo método usado para criar atos de violência em outras partes do mundo. Isto deve parar.”
Conforme Lula, a comunidade internacional precisa, a partir de agora, dar respostas “efetivas” aos desafios atuais.
“Nós precisamos de equilíbrio. Por um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, um direito humano fundamental. Por outro lado, precisamos garantir um direito coletivo: o direito da sociedade de ter acesso a informações confiáveis, e não a mentiras e desinformação”, declarou.
Uma legislação que trate de conteúdos publicados nas plataformas digitais, conforme a carta, deve garantir o exercício dos direitos individuais e coletivos, mas precisa corrigir “as distorções de um modelo de negócios que produz lucros com a exploração dos dados pessoais dos usuários”. Para o presidente, as regras devem ser construídas com transparência e com a participação da sociedade.
A regulação das redes digitais é um tema defendido por Lula desde a campanha eleitoral. Em dezembro, quando foi diplomado como presidente, ele voltou a falar sobre o assunto e culpou as plataformas digitais pela disseminação de “ameaças à democracia”.
Em 2 de fevereiro, o presidente defendeu que haja um debate global sobre a questão e indicou que o fórum de discussão sobre o tema deveria ser o G20.
Depois da invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, Lula pediu que o ministro da Justiça, Flávio Dino, avaliasse a elaboração de uma MP (Medida Provisória) que obrigue as plataformas digitais a retirar conteúdos que forem considerados ilícitos após ordem do Poder Judiciário.
No entanto, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, indicou, em 9 de novembro, que o governo não deverá editar a MP, mas sim agir para contemplar a ideia no projeto de lei das fake news que tramita no Congresso.
Em 10 de fevereiro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o projeto de lei para combater fake news na internet deve contemplar “uma regulação mínima, inclusive das big techs”.
“Não conseguimos votar no período pré-eleitoral pela polarização já sabida. Única maneira de termos regulação responsável das redes sociais é via projeto de lei. Será discutido na Câmara conjuntamente com o Senado para que não se tenha alteração [quando voltar ao Senado]”, disse Lira.
Eis a íintegra do discurso de Lula:
“Senhora Diretora-Geral,
“Gostaria de agradecê-la pelo convite para participar da Conferência Global da UNESCO que será realizada em Paris entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2023.
“As plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, são parte fundamental de nosso dia-a-dia. Elas definem a maneira como nos comunicamos, como nos relacionamos e como consumimos produtos e serviços. O desenvolvimento da internet trouxe resultados extraordinários para a economia global e para nossas sociedades. As plataformas ajudam a promover e difundir o conhecimento. Facilitam o comércio. Aumentam a produtividade. Ampliam a oferta de serviços e a circulação de informações.
“Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.
“O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo.
“O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.
“A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.
“Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na UNESCO, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil.
“Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Precisamos garantir o acesso à internet para todos, fomentar a educação e as habilidades necessárias para uma inserção ativa e consciente de nossos cidadãos no mundo digital. Países em desenvolvimento devem ser capazes de atuar de forma soberana na moderna economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos.
“Esta conferência na UNESCO é o início de nosso debate, e não seu ponto final. Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas.
“Aproveito a oportunidade para apresentar os votos de minha mais alta estima e consideração.”
Poder360