Os constantes ataques de membros do governo federal à China, principal parceiro comercial do Brasil, mesmo antes do início da gestão atual vêm causando consequências diplomáticas diretas ao país, principalmente ao PNI (Plano Nacional de Imunização) contra a covid-19.
Nesta sexta-feira (14), o Governo de São Paulo entregou ao Ministério da Saúde o último lote disponível de vacinas feitas em parceria com o laboratório Sinovac, do país oriental, e não há data de quando uma nova remessa de matéria-prima chinesa, necessária para a fabricação dos insumos pelo Instituto Butantan, chegará a São Paulo.
A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) vem enfrentando a mesma dificuldade com o fármaco produzido em parceria com AstraZeneca/Oxford e informou na quinta-feira (13) que vai interromper o envase de doses por alguns dias na próxima semana por falta de insumo farmacêutico ativo (IFA), o principal componente para a fabricação das doses.
Nesta semana, durante audiência na da Covid do Senado, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, confirmou aos parlamentares da comissão problemas na importação de insumos. Oposição, especialistas em relações internacionais e os tucanos que comandam São Paulo têm dito que as insinuações e críticas à China são o principal motivo para o atraso da chegada do IFA.
Na mais recente das insinuações, Bolsonaro sugeriu que o país asiático teria se beneficiado financeiramente da pandemia, que o vírus teria sido criado em laboratório e a crise sanitária se trata, na verdade, de uma guerra química.
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano [que] ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, disparou o presidente, sem apresentar provas ou evidências, durante evento no Palácio do Planalto.
Mais tarde o chefe do Executivo nacional recuou, destacando não ter citado nominalmente o país asiático.
No mesmo dia, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a declaração pode prejudicar o recebimento de insumos para a produção de vacinas contra a covid-19.
“E a situação nossa em relação aos insumos vai piorar com essa declaração de hoje. Hoje foi ruim, viu. Ele chama de guerra química e tal, e aí a gente está dependendo, estamos na mão dos chineses para trazer o IFA”, afirmou Aziz.
Também no mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que os chineses foram os criadores do novo coronavírus, mas não possuem a melhor vacina, criando um incidente diplomático. O titular da pasta fez as afirmações em reunião ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mas não sabia que estava sendo gravado.
“Até os foguetes da Nasa já são privados. Estado quebrou, não consegue mandar todo ano um homem para lua. Estados Unidos têm indústria forte. Chinês inventou o vírus e a vacina dele é pior que a americana. Toma aqui a Pfizer”, afirmou.
Em outubro de 2020, em um dos episódios mais polêmicos durante a pandemia, Bolsonaro afirmou que o Brasil não compraria a vacina chinesa CoronaVac porque o medicamento não transmite segurança “pela sua origem” e não tem credibilidade.
“Da China não compraremos. Não acredito que ela transmita segurança para a população pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, garantiu. “A da China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população. Até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido lá.”
Coleção de polêmicas
As polêmicas em torno do país oriental começaram já na campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2018. Na época, a China fez um duro alerta ao então deputado federal e apontou que, se a opção do Brasil em 2019 fosse por seguir a linha de Donald Trump e romper acordos com Pequim, quem sofreria as consequências seria a economia brasileira.
A crise diplomática se intensificou no decorrer da gestão, tendo como protagonistas o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e os ex-ministros da Educação Abraham Weintraub e das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
Em março de 2020, o filho do presidente afirmou em rede social que a culpa pela pandemia de coronavírus seria do Partido Comunista Chinês. “A culpa é da China e liberdade seria a solução”, escreveu.
Ao responder à acusação pela mesma rede social, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanminga, disse que a manifestação vai “ferir a relação amistosa China-Brasil”.
“As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês. Tal atitude flagrante antiChina não condiz com o seu estatuto como deputado federal, nem a sua qualidade como uma figura pública especial”, rebateu o embaixador.
O embaixador se disse ofendido, pediu retratação, afirmando que Eduardo contraíra um “vírus mental” em viagem a Miami, na Flórida.
Para defender o filho do presidente da reação chinesa, Ernesto Araújo também entrou em rota de colisão com a nação oriental. O ex-ministro disse que o embaixador Yang Wanming “feria a boa prática diplomática” ao rebater de forma “desproporcional” o parlamentar.
Em outra ofensiva, em novembro do ano passado, o Itamaraty declarou que a nação asiática foi ofensiva ao rebater novamente um comentário de Eduardo Bolsonaro. Nas redes sociais, o parlamentar havia vinculado o governo chinês à “espionagem” por meio da tecnologia 5G, o que provocou protestos dos asiáticos.
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Já prestes a deixar o ministério após inúmeras críticas e ser duramente questionado na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Araújo partiu para o ataque aos parlamentares dizendo que eles e a presidente do colegiado, Kátia Abreu (PP-TO), desejavam aceno do governo para favorecer os chineses na disputa pela implantação da rede de internet 5G no Brasil.
Em resposta à manifestação, Kátia disse que o ministro tenta desviar o foco da vacinação e da perda de vidas em decorrência da pandemia. Ela ganhou o apoio de outros colegas, que voltaram a defender a demissão de Araújo.
Expoente da ala ideológica
Já Weintraub, tido como um dos principais expoentes da ala ideológica o governo, chegou a ser investigado por racismo após publicar uma tirinha de gibi da Turma da Mônica ridicularizando o sotaque asiático. A postagem gerou indignação da Embaixada da China no Brasil. Após a repercussão negativa, o post foi apagado e o ex-ministro se desculpou.
Em nota, a Embaixada da China no Brasil repudiou, por meio de seu porta-voz, as declarações de Weintraub.
“Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”, escreveu a embaixada, que concluiu cobrando que aqueles que tenham ofendido a China “corrijam” os erros.
Fonte: R7