Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), datado de 10 de janeiro de 2023, aponta nomes do agronegócio que supostamente tiveram participação ativa nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Esse mesmo grupo envolveu-se em ações de contestação do resultado eleitoral, contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.
O documento destaca um grupo informal que congrega representantes do agro, o Movimento Brasil Verde Amarelo (MBVA), como um dos principais articuladores dos atos intervencionistas e em apoio ao ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), nos últimos anos.
De acordo com o relatório, membros do MBVA teriam ligação direta com os bloqueios rodoviários realizados após a eleição do 2º turno, e muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília, após o dia 30 de outubro, para apoiar o acampamento em frente ao Quartel General do Exército, vieram de regiões de influência do MBVA.
“Com capacidade de mobilização nacional, o MBVA organizou atos em Brasília que contaram com o deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas de suas áreas de influência local”, descreve o relatório.
ORIGEM DO MBVA – O MBVA foi fundado com participação ativa das seguintes associações:
– Associação Nacional de Defesa Dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra (Andaterra);
– Associação de Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) de Mato Grosso e de Goiás;
– União Democrática Ruralista (UDR).
O surgimento do MBVA está conectado a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu, em 30 de março de 2017, a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
Conforme o STF, “o caso [do Funrural] teve início na ação de um produtor rural que questionou judicialmente a contribuição, prevista no artigo 25 da Lei 8.212/1991 (com a redação dada pela Lei 10.256/2001), que estabelece a cobrança de 2% da receita bruta proveniente da comercialização da produção.”
A fundação do MBVA foi feita para organizar um protesto contra a decisão do STF sobre o Funrural, realizado em Brasília, em 4 de março de 2018, e batizado de Movimento Abril Verde e Amarelo, mobilização que encontrou ressonância e adesão da maioria das associações de produtores de soja (Aprosojas) estaduais.
Segundo o relatório, atualmente, as cúpulas da Andaterra, da Aprosoja Brasil e das Aprosojas de Mato Grosso, Goiás e Bahia coordenam o MBVA.
Outros pontos que uniram as lideranças, segundo indica o documento da Abin, foram as críticas às instâncias tradicionais de representação política do setor, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que teria atuado em conformidade com a decisão do STF.
O grupo se opunha também ao aumento da tributação do agronegócio que poderia vir em reformas econômicas.
PROXIMIDADE COM BOLSONARO – O relatório da Abin classifica o MBVA como um “segmento secundarizado do agronegócio”, mas que se apresenta como “porta-voz” de todo o setor.
Mesmo dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que “criticam reiteradamente”, a influência é minoritária.
A Abin destaca que os fundadores do MBVA foram os primeiros do agronegócio a aderir à chapa vencedora das eleições de 2018 – Jair Bolsonaro presidente e Hamilton Mourão como vice –, mas não conseguiram emplacar indicações para a chefia do Ministério da Agricultura.
A posição secundária na FPA impediu que as pautas do MBVA tivessem amplo acesso ao Congresso.
Isso tornou o grupo dependente do Poder Executivo, segundo a Abin.
Entre as demandas deles estavam a redução da carga tributária no setor, a restrição de demarcação de terras indígenas e o armamento da população civil.
“Com isso, o MBVA adotou estratégias de atuação institucional de apoio ao Governo eleito em 2018, defesa da intervenção militar e o fechamento do STF. Também visando a fortalecer a proteção desses interesses, coordenadores do MBVA, como Antônio Galvan, Jeferson da Rocha e José Alípio da Silveira, candidataram-se em 2022 aos cargos de senador e de deputado federal por seus estados, mas sem êxito.”
ATUAÇÃO E FINANCIAMENTO – O documento especifica que, a partir da articulação da rede de contatos da Aprosoja e por meio de sindicatos rurais, o MBVA demandava e coordenava doações em suas bases.
“O MBVA tem capital próprio e rede de contato com elevada capacidade de arrecadação de recursos. Desse modo, as lideranças do MBVA articularam diversos atos públicos de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e de defesa de pautas antidemocráticas, como a intervenção militar”, afirma o relatório da Abin.
A Abin elenca uma série de atos organizados em série e em defesa de pautas do ex-presidente Jair Bolsonaro:
– apoiou ato na Agro Brasília, em maio de 2019, em apoio a reformas econômicas;
– participou e apoiou o acampamento 300 pelo Brasil, em Brasília, em maio de 2020;
– organizou ida de tratores e caminhões a Brasília, em 15/05/2021;
– organizou protesto com tratores na sede da Polícia Federal em Sinop, Mato Grosso, em 23/08/2021;
– liderou manifestações do 7 de Setembro, em 2021, e levou máquinas pesadas a Brasília para manifestação de 7 de Setembro de 2022;
Nomes ligados ao MBVA também atuaram nos bloqueios e nos atos contra o resultado eleitoral a partir de 31/10/2022.
LÍDERES DO MBVA – De acordo com relatório da Abin, o grupo tem capital político e influência e articula-se via redes sociais.
MBVA possui controle de um programa na TV aberta chamado Sucesso no Campo, também transmitido em redes sociais.
O programa divulga líderes do agronegócio, pautas e convocações do MBVA para protestos.
O documento registra que as principais lideranças e fundadores do MBVA são “sobretudo, sojicultores do Centro-Oeste naturais do Rio Grande do Sul”.
São eles:
– Antônio Galvan, sojicultor em Sinop (MT) e presidente da Aprosoja Brasil
Segundo o relatório: “Galvan é considerado por outros coordenadores do MBVA como general do grupo e é investigado por atos antidemocráticos pelo STF. Em 2018, Galvan, como presidente da Aprosoja Brasil, convocou a participação do agronegócio nas greves dos transportadores de carga e comandou a reunião na sede da organização, em agosto de 2021, em que o cantor Sérgio Reis convocou bloqueios e a paralisação do país simultaneamente com as mobilizações previstas para 7 de Setembro.”
– Jeferson da Rocha, advogado em Florianópolis (SC) e porta-voz do grupo
“Jeferson da Rocha, chamado de líder, é ideólogo com discurso radicalizado e que mantém contato com Alex Silva, liderança do Ucraniza Brasil, grupo extremista violento que atua no país desde 2020”, explica o relatório.
– Vitor Geraldo Gaiardo, sojicultor e presidente do Sindicato Rural de Jataí (GO);
– Humberto Falcão, sojicultor em Primavera do Leste (MT) e proprietário de empresa de sementes;
– Luciano Jayme Guimarães, sojicultor em Rio Verde (GO) e presidente do Sindicato Rural de Rio Verde;
José Alípio Fernandes da Silveira, sojicultor em Barreiras (BA) e presidente da Andaterra;
– Valdir Edemar Frias, sojicultor em Itambé (PR);
– Júlio Augusto Gomes Nunes, comerciante em Campo Grande (MS) e articulador do grupo;
Joel Ragagnin, sojicultor em Jataí (GO) e presidente da Aprosoja Goiás;
– Lucas Costa Beber, sojicultor em Nova Mutum (MT) e vice-presidente da Aprosoja Mato Grosso;
– Alan Juliano, sojicultor em São Desidério (BA) e presidente da Aprosoja Bahia de 2017 a 2021;
Outros integrantes do MBVA:
– Fabélia Oliveira, apresentadora do programa de TV Sucesso no Campo;
– Lavosier Lima, criador e administrador do MBVA no Facebook e diretor do programa Sucesso no Campo;
– Márcio Juan Guapo, presidente do Sindicato Rural de Campo Florido (MG);
– Bartolomeu Brás, sojicultor e ex-presidente da Aprosojas Brasil e Goiás;
– Adriano Barzotto, sojicultor e ex-presidente da Aprosojas Goiás;
Sérgio Pitt, sojicultor em Luís Eduardo Magalhães (BA) e ex-presidente da Andaterra;
– Nei Magalhães, pecuarista em Dourados (MS); José Luiz Zago, sojicultor em Roraima;
– Wagner Martin Borges, pecuarista em Araguaína (TO);
Juarez Petry de Souza, arrozeiro do Rio Grande do Sul e liderança do Te Mexe Arrozeiro.
MOVIMENTO NEGA PARTICIPAÇÃO – Procurado pelo Congresso em Foco, o advogado e porta-voz do MBVA, Jeferson Rocha, disse que o dia 8 de janeiro é um episódio triste da história que tem que ser apurado até que os culpados sejam punidos.
Rocha é fazendeiro em Santa Catarina e afirma que. em nenhum momento. houve qualquer incentivo do MBVA para ações arbitrárias e criminosas.
Jeferson também diz que estava em uma fazenda de sua propriedade em Santa Catarina, durante a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.
“A gente está à disposição da Justiça, à disposição do parlamento e de qualquer investigação para colaborar da melhor forma possível porque ninguém admite que no Estado de Direito existam agressões, violações, quebra-quebra ou imposição de uma linha de pensamento na base da violência. Isso está errado e a gente repreende com veemência esses acontecimentos”, disse.
Rocha afirma que o MBVA valoriza as instituições e quer que o Brasil tenha um Senado altivo e um Supremo Tribunal Federal decente, que acabe com o ativismo político dentro do Poder Judiciário.
“É sempre no aprimoramento das instituições, para que elas sejam cada vez mais fortalecidas. Agora cada um, é claro, responde por excessos, responde pelo que eventualmente fala e depois se arrepende porque isso, em um grupo grande de pessoas, pode acontecer, evidentemente.”
O Congresso em Foco entrou em contato com as unidades da Aprosojas Brasil, Mato Grosso e Goiás via telefone e e-mail.
O mesmo ocorreu com a Andaterra. Já a UDR não foi localizada.
A única resposta obtida foi por meio do porta-voz do MBVA, Jeferson Rocha, que também representa a Andaterra.
Individualmente, todos os citados foram procurados por telefone ou email por meio das entidades que representam, em geral associações e sindicatos.
Entretanto, os nomes sem conexão direta com organizações e entidades não foram localizados.
O espaço está aberto para todos os mencionados que queiram se manifestar (redacao@congressoemfoco.com.br).
CAIO LUIZ
Do Congreso em Foco