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MEMÓRIA, Os primeiros passos do Nortão. Por Eduardo Gome

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Na década de 1980 Cuiabá sangrava com a divisão territorial que em 1977 criou Mato Grosso do Sul. À época, brasileiros do Sul, Sudeste e Nordeste voltavam o olhar para a nova fronteira agrícola criada na Amazônia Legal com a construção da BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-230 Transamazônica alimentada pela Belém-Brasília. O governo mato-grossense precisava promover o povoamento do Nortão, Vale do Araguaia, Chapadão do Parecis e na faixa de fronteira. Para tanto seria preciso receber levas de migrantes para a criação de vilas. As regiões despovoadas tinham características diferentes. Mais que uma política de convencimento, Mato Grosso necessitava de várias. O então governador Júlio Campos enfrentava a concorrência predadora do Pará, Maranhão e o Norte de Goiás, e ele entendeu que além de infraestrutura urbana, era imprescindível criar cidades e pavimentar estradas.

Para melhor entendimento fiquemos com o exemplo do que aconteceu no Nortão deixando as demais regiões para outras abordagens.

Júlio Campos assumiu o governo no começo de 1983, quando a população mato-grossense era de 1.142.427 habitantes. O Nortão tinha somente cinco municípios: Porto dos Gaúchos, emancipado em 1963 e colonizado pelo empresário Guilherme Meyer; Sinop, Colíder e Alta Floresta, todos emancipados em 1979 pelo governador Frederico Campos que sancionou as leis de autoria do deputado Osvaldo Sobrinho que os criaram; e Juara, que brotou da ousadia do visionário Zé Paraná. Na imensidão da região havia vilas dispersas, que surgiram de projetos de Ariosto da Riva, Ênio Pipino, Norberto Schwantes, Zé Paraná, Claudino Francio, José Aparecido Ribeiro, do garimpeiro Cacheado; de José Humberto Macedo; Hermínio Ometto, Raimundo Costa Filho, José Kara José, Manoel Pinheiro, Manoel Cavalcante, Antônio Domingos Debastiani, Gervásio Azevedo, Daniel Meneguel, os Irmão Bedin e outros, além de programas do Incra.

Além do vazio demográfico o Nortão tinha outro grande desafio: o garimpo de ouro, que nos primeiros anos da colonização da região esvaziou o campo, que foi canibalizado pela concorrência do sonho com a fortuna fácil, do dia para a noite. A cidade de Alta Floresta e as vilas de Peixoto de Azevedo, Paranaíta, Terra Nova do Norte, Apiacás e outras receberam grandes fluxos migratórios em busca do metal mais cobiçado do mundo. As localidades não tinham infraestrutura para a rápida transformação causada pela população que gravitava em torno do garimpo. A violência e a malária dizimavam. O governo tinha que enfrentar aquele cenário antes do estabelecimento do vácuo do Estado.

As vilas abarrotadas com garimpeiros, compradores de ouro, mascates, farmacêuticos que ofereciam quinino para a cura da malária, hoteleiros, pilotos de avião, vendedores de maquinário para garimpo e outros conviviam com o alto índice de criminalidade e as mortes causadas pela febre malária. A verdadeira moeda circulante era o grama do ouro. Não havia ordenamento administrativo. A palavra empenhada ao fio do bigode balizava o relacionamento. O Estado não podia permitir aquele cenário. A instalação de prefeituras e de câmaras municipais era imprescindível.

O governador dialogou com moradores da região e a classe política que o apoiava. Assim, decidiu enfrentar a atipicidade do Nortão com a criação de cidades. Para tanto, o governo planejou a emancipação territorial de vilas ao longo da Cuiabá-Santarém, e a instalação de municípios em seu eixo de influência num mosaico conhecido como espinha de peixe. Assim, às margens da rodovia foram emancipados Sorriso, Itaúba, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo e Guarantã do Norte; e fora de seu eixo, Vera, Marcelândia, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte.

Tantos os novos municípios quanto os anteriores receberam investimentos por parte do governo estadual, mas esse tema e a obtenção de linha de crédito especial para os parceleiros assentados em Lucas do Rio Verde serão focalizados em outra matéria.

A criação dessas cidades facilitou a administração da base territorial do Nortão, estimulou o crescimento de vilas e o surgimento de outras. Atualmente, a região tem 35 municípios e Boa Esperança do Norte será instalado em 1º de janeiro de 2025. A política de municipalização levou à instalação de Nova Santa Helena e Santa Rita do Trivelato, em 2001; e de Ipiranga do Norte e Itanhangá, que foram instalados em 2005, e ambos originários de projetos de assentamento do Incra.

O ciclo do ouro passou. Em 1995 muitos garimpos foram desativados e as cidades que abrigavam garimpeiro sofreram esvaziamento populacional. Peixoto de Azevedo, alcançou 47 mil habitantes e seu número de moradores caiu atualmente para 32.714, e nos últimos anos apresenta crescimento; a população anterior de Peixoto de Azevedo tinha nômades em boa parte de sua composição – esse pessoal retornou aos seus lugares de origem tão logo a aventura do ouro cessou.

Nos anos 1980 era importante criar cidades, mas além delas a região precisava de rodovias. O então governador Júlio Campos lutava em Brasília para o governo federal cumprir seu papel na esfera de infraestrutura, como ficou definido quando da divisão territorial. Numa de suas lutas o governante assumiu a pavimentação de 621 km da BR-163, do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, a Nova Santa Helena, cruzando no Nortão as cidades de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop e Itaúba.

Nos primeiros passos do Nortão, a harmonia entre o governo estadual, os colonizadores e os pioneiros foi decisiva para o crescimento e a consolidação daquela região, que em quatro décadas transformou-se num dos pilares da política de segurança alimentar mundial, tem grandes frigoríficos bovinos e suínos, e produz etanol e biodiesel.

Sorriso é o maior município agrícola do mundo. Tapurah recebeu o título de Capital da Suinocultura. O garimpo aventureiro cedeu lugar à atividade mineral e garimpeira dentro das normas ambientais. Sinop é uma metrópole regional e polo universitário. Sorriso, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde são centros agroindustriais. Terra Nova do Norte se destaca pela produção de lácteos. Juara, Alta Floresta, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Colíder, Nova Canaã do Norte e Apiacás têm grandes rebanhos bovinos. Um grande incêndio devorou 116 residências e indústrias madeireiras em Marcelândia, mas a cidade se recuperou. A região mantém perfeita sintonia social com Cuiabá. Moradores urbanos e da zona rural convivem em harmonia com os povos indígenas aldeados. Em Capoto/Jarina, município de Peixoto de Azevedo, vive o cacique Raoni Metuktire, o brasileiro mais conhecido na Europa e nos Estados Unidos.

Em busca do amanhã, os que optaram pelo Nortão construíram cidades com que oferecem boas condições de vida e que registram indicadores sociais positivos. Algumas registram alta taxa de crescimento: Sinop tem 196.312 habitantes, Sorriso (110.635), Lucas do Rio Verde (83.798), Alta Floresta (58.613), Nova Mutum (55.839), Juara (34.906), Peixoto de Azevedo (32.714), Colíder (31.370), Guarantã do Norte (31.024) e Matupá (20.091). Ipiranga do Norte e Itanhangá, os mais novos entre os instalados, têm respectivamente 7.815 e 7.639 habitantes.

NÚMEROS – Nortão é a área da Amazônia Mato-grossense compreendida abaixo do Paralelo 14 até as divisas com Pará e Amazonas e delimitada pela margem esquerda do rio Xingu e alguns de seus formadores, e pela margem direita do rio Arinos até sua foz no Juruena, prosseguindo por esse rio em sua margem direita até o encontro das águas com o Teles Pires. No tocante aos municípios banhados pelo Arinos, para efeito de limites consideram-se como parte integrante do Nortão somente os que têm sede em sua margem direita.

A base territorial do Nortão tem 36 municípios: Alta Floresta, Apiacás, Carlinda, Cláudia, Colíder, Feliz Natal, Guarantã do Norte, Ipiranga do Norte, Itanhangá, Itaúba, Juara, Lucas do Rio Verde, Marcelândia, Matupá, Nova Bandeirantes, Nova Canaã do Norte, Nova Guarita, Nova Monte Verde, Nova Mutum, Nova Santa Helena, Nova Ubiratã, Novo Horizonte do Norte, Novo Mundo, Paranaíta, Peixoto de Azevedo, Porto dos Gaúchos, Santa Carmem, Santa Rita do Trivelato, Sinop, Sorriso, Tabaporã, Tapurah, Terra Nova do Norte, União do Sul, Vera e Boa Esperança do Norte, que será instalado em 1º de janeiro de 2025.

A área do Nortão é de 233.674 km² e corresponde a 25,87% do território mato-grossense (903.208 km²). A média da extensão de seus municípios é de 6.490,94 km². Juara, com 22.641,187 km² e Apiacás com 20.379,906 km² são os dois maiores municípios, ao passo que Novo Horizonte do Norte, com 879,662 km² é o menor. Com 867.383 habitantes o Nortão representa 23,70% da população mato-grossense de 3.658.649 residentes. PS – Mapa do Nortão sem incluir Boa Esperança do Norte, que aguarda pela instalação.

Por Eduardo Gomes

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