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Para governo, privatização modernizará Correios; funcionários advertem que agências do interior serão fechadas

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Uma das prioridades legislativas do presidente Jair Bolsonaro para este ano, o projeto de lei que permite a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (PL 591/2021) já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e acaba de chegar ao Senado.

Se a proposta for também aprovada pelos senadores e sancionada pelo presidente, o poder público estará liberado para vender à iniciativa privada uma gigante estatal cujos primórdios remontam a 1663, época da Colônia, e que hoje está presente em todos os 5.570 municípios brasileiros, atuando tanto na entrega de mercadorias do comércio on-line quanto na distribuição de cartas, cartões postais, telegramas e contas em papel.

Atualmente, apenas o serviço de entrega de correspondência é monopólio estatal. Na entrega de encomendas, o mercado já é aberto à concorrência privada. Pelo projeto de lei, os Correios privatizados continuarão detendo o monopólio da distribuição de correspondência.

De acordo com o governo federal, os Correios não têm dinheiro suficiente para investir em sua modernização, já estão ficando defasados em termos de tecnologia e, tornando-se obsoletos, serão vencidos pelas empresas privadas que também atuam na entrega de mercadorias.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que a permanência dos Correios nas mãos do governo é ruim não apenas para os clientes, mas também para os cofres públicos, pois há o risco de a empresa precisar de verbas do Orçamento federal e entrar numa “situação de dependência de recursos do Tesouro Nacional”.

Segundo o ministro das Comunicações, Fábio Faria, os Correios necessitam de R$ 2,5 bilhões anuais em investimentos para se manterem competitivos — montante do qual a estatal não dispõe. Num pronunciamento em rede nacional de rádio e TV às vésperas da votação do projeto na Câmara, em agosto, ele afirmou:

— As empresas de entregas e logística têm ganhado cada vez mais espaço porque investem pesado em tecnologia e inteligência de negócios. O volume de cartas tem se reduzido dia após dia, enquanto a demanda por encomendas e logística só aumenta. Com a privatização, os Correios vão conseguir crescer e competir, gerar mais empregos, desenvolver novas tecnologias, ganhar eficiência, agilidade e pontualidade. Somente assim os Correios poderão manter a universalização dos serviços postais.

Os adversários da privatização contestam o argumento financeiro. O secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), José Rivaldo da Silva, afirma que, ao longo das duas últimas décadas, a estatal só não deu lucro em quatro anos e que nesse período ela não exigiu dinheiro do Orçamento federal — em certas ocasiões, ao contrário, a empresa pagou dividendos ao governo.

Segundo Silva, o poder público não deveria se desfazer de uma empresa que opera no azul e vislumbra receitas ascendentes em razão do potencial de crescimento que o comércio eletrônico tem no Brasil. No ano passado, na contramão da economia geral, que amargou resultados negativos em razão da pandemia de covid-19, os Correios comemoraram um lucro recorde de mais de R$ 1,5 bilhão.

— Existe uma estratégia deliberada de desmantelar os Correios. A equipe de funcionários, por exemplo, cai ano a ano, não é reposta e trabalha no limite. A demanda pelos serviços aumenta, mas falta pessoal. A agilidade das entregas fica prejudicada. É uma prática que prejudica o consumidor, e ele sente. O governo primeiro precariza os Correios para depois dizer à sociedade que a iniciativa privada vai fazer melhor.

Silva avalia que o governo, se quisesse, poderia aperfeiçoar as práticas empresariais dos Correios de modo a aumentar a receita e obter o dinheiro necessário para a sua modernização:

— A legislação já permite que os Correios busquem empresas e firmem parcerias público-privadas, mas elas não saíram do papel. O próprio governo federal não dá preferência aos Correios como operador logístico. Vários órgãos públicos contratam empresas privadas para fazer suas entregas. Se o governo escolhesse os Correios como operador oficial, a estatal teria uma incremento gigantesco de receitas.

O secretário-geral da Fentect acrescenta que as empresas mais interessadas em comprar os Correios são as que já atuam no mercado de logística e entrega de encomendas, como Amazon, Mercado Livre, HDL e FedEx, e aproveitariam a gigantesca infraestrutura da estatal:

— Surgirá [com a privatização] uma gigante privada da logística, que deterá o monopólio nacional. Ela certamente engolirá as empresas menores do mercado. Falta debate sobre o projeto de lei. O governo se aproveita destes tempos anormais, em razão da pandemia, para avançar esse projeto sem ouvir a sociedade e os atores envolvidos. Não estão olhando para os malefícios que decorrerão da privatização.

Ainda segundo Silva, a privatização dos Correios poderia deixar descoberta ou mal assistida a população que vive em cidades pequenas ou localidades dos confins do país:

— Poucas agências dos Correios, em torno de 300, dão lucro. São elas, por meio do subsídio cruzado, que garantem o funcionamento da maior parte das agências do país, que dão prejuízo. Uma empresa privada não faria isso. Caso sejam privatizados, os Correios deixarão em segundo plano a sua missão social e focarão o lucro. A tendência natural é que o novo proprietário priorize as agências lucrativas e despreze as demais. Esse comportamento já pode ser visto. Quando as entregas das empresas privadas de logística precisam ser feitas em algum local distante, elas subcontratam os Correios.

Também contrário à privatização, o senador Paulo Paim (PT-RS) afirma:

— O Brasil conta com um serviço postal exemplar. Os Correios cobrem o território inteiro, fazendo a integração nacional, funcionam com regularidade, praticam tarifas acessíveis, estimulam a economia, em especial as pequenas empresas, e ainda dão lucro. Não existe razão nenhuma para que sejam privatizados.

Paim aponta exemplos de serviços de interesse social hoje prestados pelos Correios que, em sua avaliação, ficarão comprometidos no caso de a estatal ser vendida:

— Os Correios entregam os livros didáticos às escolas públicas, distribuem as provas do Enem, transportam as urnas eletrônicas das eleições, levam remédios e vacinas a todos os cantos do país, atuam como correspondentes bancários. Tudo isso acabaria sendo afetado. Mesmo os serviços postais passariam por mudanças negativas. O valor que o cidadão desembolsa para enviar uma carta ou um pacote seguramente ficará mais alto.

O senador diz que é estranho que o governo não tenha divulgado o valor que espera arrecadar com a venda dos Correios nem o destino que pretende dar ao dinheiro:

— O governo está de olho no processo eleitoral do ano que vem. Tudo que arrecadar vai ser investido em algum programa eleitoreiro. Isso é lamentável. Não se pode liquidar um patrimônio do povo brasileiro a troco de nada. Eu compreendo o papel da iniciativa privada no mercado. Não sou daqueles que pensam que tudo tem que ser estatal. Mas há certos serviços que não podem ser simplesmente entregues ao mercado, como água, luz e serviço postal.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) lembra que até mesmo os Estados Unidos, “um país à primeira vista sem muito apego às empresas estatais”, mantêm os Correios públicos por se tratar de um serviço estratégico para o país:

— O United States Postal Service, que tem cinco vezes mais funcionários que os Correios brasileiros, segue sendo um serviço público. A decisão do governo foi essa porque privatizar o United States Postal Service prejudicaria os pequenos negócios que usam o serviço para enviar suas encomendas e afetaria os moradores de cidades distantes, exatamente o que vai acontecer aqui no Brasil.

Em outros países de dimensões continentais, como Austrália e Canadá, os Correios também são estatais. Na Argentina e em Portugal, os Correios foram privatizados como exigência para que esses países obtivessem empréstimos de instituições financeira internacionais. Em julho passado, duas décadas depois da privatização, a Justiça decretou a falência dos Correios da Argentina.

O projeto de lei em análise no Senado determina que a empresa que assumir os Correios ficará obrigada a prestar serviços de interesse social e, em contrapartida, receberá “remuneração suficiente para custeá-los”. Pela proposta, os Correios privatizados serão fiscalizados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sob regras que ainda deverão ser criadas.

Favorável à privatização, o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), que representa grandes empresas varejistas, como Americanas, C&A, Magazine Luiza, Riachuelo e Zara, avalia que a burocracia pública emperra os Correios e faz as empresas preferirem os serviços de logística privados.

“O IDV defende a desestatização do setor postal no Brasil por entender que os investimentos privados vão garantir serviços mais modernos e rápidos. Alemanha, Inglaterra e Japão privatizaram seus serviços postais e garantiram mais eficiência à população”, manifestou-se o instituto num comunicado à imprensa.

A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), vice-líder do governo no Congresso Nacional, defende a privatização dos Correios. Ele argumenta:

— Para o Brasil prosperar, precisamos enxugar a máquina pública e incentivar a livre concorrência.

Para mostrar que os Correios não prestam um bom serviço, Soraya cita um caso pessoal. Ela diz que uma pessoa no Ceará lhe enviou um cartão de aniversário na última semana de maio, mas a correspondência só chegou ao seu gabinete, em Brasília, na primeira semana de agosto.

— A carta foi enviada pelos Correios. Eu pergunto: os Correios devem ou não ser privatizados?

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), que também é vice-líder do governo no Congresso, foi escolhido para relatar o projeto de lei na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Ele anunciou que pretende organizar duas audiências públicas sobre a privatização:

— Vamos tentar fazer as audiências na mesma semana para ouvir as duas versões básicas sobre o assunto. O projeto prevê a concessão de uma parte do serviço, que a Constituição garante como monopólio da União, e a privatização da outra parte. O juízo de valor sobre o mérito não é agora.

A empresa conta hoje com quase 100 mil funcionários — a metade deles são carteiros, que têm salário inicial de R$ 1.750. O projeto original do governo não fazia nenhuma referência ao destino desse contingente. A Câmara dos Deputados incluiu no texto a garantia de estabilidade por um ano e meio. Nesse período, os trabalhadores poderão aderir a um plano de demissão voluntária com a indenização já fixada no valor equivalente aos salários de um ano. Eles só poderão ser demitidos sem justa causa passado um ano e meio da privatização.

A privatização dos Correios depende não apenas do Congresso Nacional, mas também do Supremo Tribunal Federal (STF). A Associação dos Profissionais dos Correios (ADCap) apresentou ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade contra o projeto de lei. Questionado pelo STF a esse respeito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, respondeu que parte da proposta é inconstitucional. Segundo ele, a Constituição não permite que a distribuição de correspondência seja feita por empresa privada, mas apenas diretamente pelo poder público. O STF ainda não julgou o caso.

Os Correios, o Ministério das Comunicações e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que conduziu os estudos que embasaram o projeto de lei do governo, não atenderam aos pedidos de entrevista apresentados pela Agência Senado.

No relatório de prestação de contas das atividades dos Correios em 2020, o presidente da empresa, general Floriano Peixoto Vieira Neto, escreveu:

“Ao longo de 2020, foram adotadas medidas para modernizar os Correios no intuito de, a curto prazo, torná-los mais atraentes aos potenciais investidores privados que em breve disputarão o controle da empresa.”

Se o projeto for aprovado, o governo Bolsonaro terá neste ano a segunda grande vitória em seu programa de venda de empresas públicas. Em junho, a Câmara e o Senado aprovaram a medida provisória que permite a privatização da Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina.

Fonte: Agência Senado

 

 

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