As manifestações e a ideia de formação de uma “resistência civil” contra a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a derrota do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) para a Presidência da República, no último dia 30 de outubro, mostram um extremismo radical da direita conservadora, que foge das ideias reais do movimento de direita brasileiro. Essa é a análise feita pelo cientista político João Edisom de Souza.
Protestos, bloqueios de rodovias e atos antidemocráticos acontecem desde o fim do segundo turno das eleições, quando Lula foi declarado vitorioso por conquistar 50,9% dos votos válidos. O petista assume a Presidência a partir de janeiro de 2023. Revoltados, bolsonaristas têm contestado o resultado, alegam fraude no processo eleitoral – mas sem apresentar provas -, e chegam a gritar nas ruas e em frente aos quarteis por “intervenção militar”. O fechamento do comércio em prol do movimento também tem sido uma tática usada pelos manifestantes.
Na visão do cientista político, o movimento nas ruas deixa claro e consolida a concepção de um Brasil totalitário, que caminhe de acordo com os pensamentos de “família tradicional”, ideais religiosos e uma crença de segurança punitiva e mais rígida, com o uso de armas pelo cidadão comum. Segundo ele, nos últimos dias, o conservadorismo no país tem mostrado a que veio.
“Desde as eleições de 2018, estão sendo vistas várias frentes da direita. Tinha o centro, que estava descontente com as roubalheiras que estavam acontecendo; tinha a direita formal; e [tinha] os conservadores e radicais. Esses que estão nas ruas hoje são os radicais, extremistas. Não representam a ideologia principal da direita. Estão envolvidos em movimentos fascistas, nazistas, de extrema-direita”, afirma.
De acordo com o cientista, esses extremistas se apegam a símbolos, e, ao contrário do que dizem, não estão preocupados com o Brasil. A questão desse grupo, frisa João Edisom, é “impor a sua vontade”.
“Falam em liberdade e pedem intervenção militar. Falam em religião, mas só vale se for a religião deles. E esses são os mesmos que na pandemia diziam que fechar o comércio afundaria a economia e agora estão fechando e bloqueando rodovias, prejudicando a economia, por ideologias antidemocráticas. São incoerentes”, argumenta.
Com o fim das eleições, a polarização política no Brasil, que já era nítida há anos e se acentuou durante a campanha, tomou proporções ainda maiores e preocupantes. Nem mesmo o discurso do presidente – feito só três dias depois do início dos protestos – para que as bloqueios nas rodovias fossem desfeitos foi absorvido pelo grupo que tanto o defende, mesmo eles tendo propagado que deixariam os protestos se houvesse uma ordem do “capitão”. Em alguns casos, apenas a atuação mais firme das forças de segurança garantiu o direito de ir e vir de quem precisa transitar pelas estradas do país.
Segundo João Edisom, o extremismo não agrada nem mesmo a Jair Bolsonaro, enquanto presidente, por representar “um atraso político”.
“A direita de verdade está triste com o resultado, mas vai trabalhar e se preparar para os próximos quatro anos. Já os que estão nas ruas expressam o ódio puro, nada mais que isso, e usam as eleições como argumento“, critica o analista.
“Realidade paralela”
O pesquisador, historiador, ensaísta e professor João Cezar de Castro Rocha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fez uma análise, no mês passado, onde dizia que o “Brasil é laboratório de criação de realidade paralela”. Para ele, o país assiste a consolidação das condições para a instauração de um Estado totalitário fundamentalista religioso.
“Nunca estivemos numa situação tão grave na história da República. Estamos hoje no Brasil em 1913, do filme alemão ‘A fita branca’ (de Michael Haneke), a geração que, posteriormente, participou da ascensão do nazismo”, disse em entrevista ao Jornal Estado de Minas.
O historiador também afirma que “o que a extrema-direita tem feito no plano da política é a despolitização do debate público para avançar o projeto político totalitário, de eliminação completa do adversário ou do outro que resiste”.
Fake news e “dimensão paralela”
O cientista João Edisom afirma que grupos radicais minoritários estão crescendo na América do Sul e que as notícias falsas (fake news) contribuem para atos radicais e desinformados. “Estamos em uma era onde muita gente foi envenenada pelo pior veículo de comunicação que já existiu: o ‘tiozão do WhatsApp’, que compartilha notícias que nunca existiram. Isso influencia atos baseados em incoerências ”.
Castro também analisa a desinformação e afirma que as pessoas que voluntariamente se submetem à midiosfera extremista estabelecem um pacto: somente se informar na midiosfera extremista, nunca aceitando outra fonte. “Então, não há mais possibilidade objetiva de se demonstrar que há erro nessas informações, porque todas as outras fontes de informação foram desqualificadas e vedadas”, diz.
O pesquisador acrescenta ainda que o atual contexto é formado de muitos cidadãos que “estão realmente convencidos de todo conteúdo dessa usina de desinformação, dessa máquina tóxica de produção de conteúdo com base em fake news e teorias conspiratórias”. “Para dizer de forma mais simples: essas pessoas estão vivendo numa dimensão paralela”, conclui.
Kethlyn Moraes/RD News