China e Rússia deram um recado militar ostensivo aos Estados Unidos ao longo desta terça-feira (24), enquanto o presidente Joe Biden se reunia no Japão com aliados contrários a Pequim na região do Indo-Pacfíco.
Ao menos dois Tu-95 russos e dois H-6K chineses, ambos bombardeiros com capacidade de emprego nuclear, foram escoltados por dois caças Su-30SM russos em um voo de 13 horas sobre o mar do Japão, passando pela Zona de Identificação de Defesa Aérea de outro aliado americano, a Coreia do Sul, que foi visitada por Biden no fim de semana.
A zona não é o espaço aéreo, mas uma área em que aviões se identificam para evitar mal-entendidos de intenções. O grupo seguiu de lá para perto das fronteiras japonesas. Tanto Seul quanto Tóquio enviaram caças F-2 e F-15, respectivamente, para acompanhar o movimento. Não houve incidentes, mas o ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, considerou o episódio “grave”.
Foi a primeira patrulha conjunta de Moscou e Pequim desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro, e um sinal eloquente de que os dois países mantêm sua parceria militar apesar das críticas ocidentais ao Kremlin. Pequim pede negociações de paz, mas não critica o aliado.
Na véspera, Biden havia novamente feito associação entre a crise ucraniana e a situação de Taiwan, ilha que Pequim considera uma província rebelde e clama para si. O americano voltou a dizer que defenderia militarmente Taipé em caso de invasão chinesa, gerando ruídos em seu governo, já que os EUA oficialmente mantêm uma política ambígua de reconhecimento da demanda da China.
A China fez duras críticas à fala, dizendo que o americano “brincava com fogo”. Com a balbúrdia, nesta terça reafirmou sua política ao lado dos premiês de Japão, Austrália e Índia, que formam com ele o grupo Quad (contração para Diálogo Quadrilateral de Segurança). “A política não mudou em nada. Eu disse isso quando falei ontem”, tentou remendar o líder americano, conhecido por seus “sincericídios” vistos ora como tática de intimidação de rivais, ora como simples gafes.
O anfitrião de Biden, o primeiro-ministro Fumio Kishida, havia apoiado a posição do americano. Isso é significativo: Tóquio não se engaja em ações militares desde que o Japão foi obliterado na Segunda Guerra, encerrada em 1945. Nos últimos anos, o belicismo seguido de governos tem mudado isso, e Kishida vai no mesmo caminho.
O estreante do grupo, o novo premiê australiano, Anthony Albanese, manteve o tom desafiador ante Pequim, com quem vive uma guerra tarifária. Disse estar preocupado com a questão e que “responderia de forma apropriada” a mensagem de congratulações enviada pelo premiê chinês, Li Keqiang.
Já Narendra Modi, o líder indiano que vem sendo questionado no Ocidente por não criticar diretamente o aliado Putin na guerra, viu sua posição ser respeitada no Quad sinalização clara das prioridades estratégicas americanas quando o assunto é a Ásia.
De mais prático, o encontro resultou no lançamento de um programa de monitoramento de satélite para rastrear atividade ilegal de pesca e de milícias marítimas.
O comunicado final da reunião não citou a palavra Rússia, apenas falando sobre como os membros “discutiram suas respectivas respostas ao conflito na Ucrânia e à tragédia humanitária em curso”, que completou nesta terça 90 dias. Diplomaticamente, são muitos graus abaixo da retórica ocidental contra o Kremlin. “Houve uma boa apreciação geral da posição da Índia”, disse o chanceler do país, Vinay Mohan Kwatra.
O texto também não citou a China, apesar de repetir a oposição dos líderes a “mudança no status quo pela força”. Fora dos limites deste campo, Biden voltou às críticas usuais. “O ataque russo à Ucrânia apenas evidencia a importância dos princípios fundamentais de ordem internacional, integridade e soberania territoriais”, afirmou. Foi seguido por Kishida: “Não podemos deixar algo similar acontecer no Indo-Pacífico”, uma repetição da admoestação feita pelo Quad à China no começo da guerra.
Os casos, contudo, são bastante distintos. A Ucrânia é um país soberano desde 1991, e Taiwan só é reconhecido como tal por 14 Estados, com a Organização das Nações Unidas considerando que apenas a China comunista pode ser chamada de China.
A complexidade do caso taiwanês decorre do apoio que EUA e, em menor escala, a União Europeia dão a seu governo sem, contudo, reconhecer a independência pelos fortes laços comerciais que mantêm com Pequim. Isso não tem impedido os EUA, sob Donald Trump e, agora, Biden, de acelerar a Guerra Fria 2.0 com os chineses, dada a percepção de rivalidade estratégica entre as duas maiores economias do mundo.
O momento de questionamento interno das políticas do líder Xi Jinping também explica por que os EUA ampliam dois instrumentos contra Pequim: um militar, na forma do Quad e do pacto Aukus (com Austrália e Reino Unido), e outro econômico, na forma da parceira comercial de 13 países do Indo-Pacífico.
Ainda assim, há diferenças básicas também de adversários. A Rússia tem um arsenal nuclear similar ao americano e bem maior que o chinês, mas é um país dez vezes menor economicamente do que a China. As ameaças de Biden de emular o regime de sanções contra o Kremlin se Pequim invadir Taiwan, feitas na segunda-feira (23), esbarram na interconexão entre as duas economias.