Em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal), a técnica de enfermagem responsável por vacinar pelo menos 48 crianças contra a Covid-19 com doses destinadas a adultos alegou ter recebido instruções de aplicar o imunizante em todos os públicos, uma vez que o insumo estaria prestes a vencer. Obtido pelo R7 na íntegra, o relato mostra, ainda, que a profissional não recebeu treinamento para realizar a imunização em crianças, tampouco era supervisionada de perto.
Tanto o MPF quanto o Ministério da Saúde investigam o caso, que é considerado um “erro vacinal” pelo ministro Marcelo Queiroga. As aplicações foram realizadas no município de Lucena, na Paraíba, antes mesmo da chegada da dose pediátrica contra a Covid-19 ao Brasil. A responsável por injetar as vacinas foi afastada em 14 de janeiro, uma semana depois de ter imunizado indevidamente as crianças.
De acordo com a técnica, as vacinações equivocadas foram feitas tanto na UBS-V do município quanto em uma unidade âncora localizada no assentamento Outeiro de Miranda. Em 7 de janeiro, a profissional relata ter imunizado ao menos 36 crianças no assentamento. Já em 29 de dezembro de 2021 e em 11 de janeiro deste ano, o atendimento ocorreu na UBS.
A depoente alegou ter se queixado à chefe de imunização do município de “que estava sozinha na vacinação, sem coordenadora, enfermeira, médica nem dentista, acompanhada somente de uma ACS (agente comunitária de saúde) e do motorista”. A chefe teria sido a responsável direta por dar aval à instrução de vacinar a todos. Além de ter respondido “sim” ao ser questionada, por mensagem de texto, a chefe de imunização teria “ligado para a depoente confirmando que era para vacinar todas as pessoas porque as vacinas iriam vencer”.
Além da chefe de imunização, vinculada à Secretaria de Saúde de Lucena, a técnica de enfermagem ainda teria tido contato com a secretária adjunta da pasta e com a chefe da UBS-V, mas não especificou ao MPF se recebeu dessas pessoas orientação sobre a vacinação. A depoente ainda alegou que ela só realizava a aplicação e que a agente comunitária é quem preenchia as fichas. A parceira de vacinação teria, inclusive, vacinado a própria filha, de 5 anos.
Apesar da indicação de outros nomes, a técnica relata que só ela foi afastada. Além de alegar falta de assistência, a profissional relatou que “não houve capacitação da prefeitura sobre a vacinação de Covid para adultos e crianças […], que ninguém lhe repassou nenhuma informação sobre diferenças de volumes [entre vacinas para adultos e crianças]”, e que, por isso, imunizou a todos com a mesma dosagem.
A reportagem tentou contato com a prefeitura de Lucena e aguarda retorno. Ao R7, a assessoria de imprensa do MPF da Paraíba afirmou que ainda é prematuro atribuir responsabilidades, uma vez que as pessoas envolvidas ainda estão sendo ouvidas. “A responsabilização que o MPF está apurando não é apenas no âmbito individual da pessoa que aplicou as vacinas, mas também do agente público, do município.”
“No momento, o que mais preocupa o Ministério Público são as vacinações futuras, o acompanhamento das crianças, e mostrar que esse fato isolado no município de Lucena não atrapalha em nada a vacinação pediátrica aplicada de maneira adequada”, completou o órgão.
Bruna Lima, do R7, em Brasília