As Forças Armadas — Exército, Marinha e Força Aérea — emitiram comunicado aos membros para que se desfiliem de partido político. A orientação ocorre em meio a uma articulação do Ministério da Defesa para apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que veda o retorno à ativa de militares que disputarem eleições.
O envio do comunicado foi confirmado pelo Exército. “Tal situação [de filiação partidária] contraria as normas vigentes e é passível de sanção disciplinar”, diz. A Marinha tomou a mesma medida, em 8 de março, por meio de Boletim de Ordens e Notícias (Bono) — documento restrito usado para orientar o público interno.
A Força Aérea argumenta que o comunicado tem o objetivo de alertar e fazer cumprir a Constituição Federal. Em nota, o órgão reiterou compromisso com a independência e a isenção relacionada às escolhas pessoais de seus militares, desde que estejam cumprindo as legislações vigentes.
O artigo 142 da Constituição Federal diz que as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e se destinam à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem.
“Ou seja, os militares devem ser neutros e imparciais em relação às questões políticas do país. No entanto, existe uma lacuna na Constituição sobre possibilidade de militares disputarem eleições e retornarem à ativa após o fim do mandato”, argumenta o professor de direito constitucional Fabio Tavares Sobreira.
“Os militares que optarem por seguir a carreira política poderão fazê-lo sem prejudicar a imagem das Forças Armadas nem gerar conflitos de interesse, até porque os pilares do militarismo são os princípios da hierarquia e da disciplina [caso novas regras sejam aprovadas]”, complementa.
A reportagem acionou individualmente as três Forças para saber se há um levantamento que mostra a quantidade de militares filiados a partido, mas não obteve resposta. O Ministério da Defesa foi procurado. A pasta informou, via telefone, não ter tal levantamento porém não respondeu à reportagem por escrito.
Eleições de 2022
O R7 apurou que ao menos 299 militares — da ativa e da reserva — disputaram as eleições de 2022. Entre os cargos disputados, estão os de governador, senador, deputado federal e deputado estadual.
Confira, abaixo, o número de candidaturas de membros das forças de segurança do país, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
Governador: 5 policiais militares, 2 bombeiros e 2 militares reformados;
Senador: 2 policiais civis, 2 policiais militares, 2 bombeiros, 1 membro das Forças Armadas e 2 militares reformados;
Deputado federal: 55 bombeiros, 68 policiais civis, 304 policiais militares, 33 membros das Forças Armadas e 108 militares reformados;
Deputado estadual: 12 bombeiros civis, 111 policiais civis, 579 policiais militares, 59 bombeiros militares, 23 membros das Forças Armadas e 130 militares reformados.
Exemplos
Há exemplos de militares que assumiram função política ainda na ativa, especialmente no governo de Jair Bolsonaro (PL). É o caso de Eduardo Pazuello (Ministério da Saúde), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Flávio Rocha (Secretaria de Assuntos Estratégicos).
Pazuello chegou a ser investigado pelo Exército devido à participação em um ato político com Bolsonaro, no Rio de Janeiro, em 2021. O agora general da reserva havia informado oficialmente que iria ao evento. A informação foi confirmada pelo comandante à época, general Paulo Nogueira.
O ex-ministro da Saúde respondeu pela suspeita de ter violado norma que impede a participação de militares em evento de caráter partidário sem autorização do Comando do Exército. Contudo, Pazuello foi absolvido.
PEC
A orientação das Forças Armadas ocorre no contexto de articulação da PEC para impedir a volta à ativa de militares que tirarem licença para disputar eleições. Especialistas consultados pela reportagem afirmam que a proposta pode garantir imparcialidade e evitar a politização no ambiente militar.
De acordo com uma fonte que participa da negociação, a proibição também valeria para aqueles que exerçam cargo de ministro de Estado. A proposta foi apresentada pelo Ministério da Defesa à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, comandada pelo ministro Alexandre Padilha.
O texto tem o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para que a ideia do governo se concretize, será necessário o aval do Congresso Nacional. Mudanças na Constituição precisam ser aprovadas em dois turnos, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com pelo menos três quintos dos deputados (308) e dos senadores (49).
R7