Especialistas cobraram nesta segunda-feira (27) mais rigor no diagnóstico e na prescrição de medicamentos para o tratamento do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) entre crianças e adolescentes. Eles participaram de uma audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
O debate foi sugerido pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), que alertou para “um aumento considerável nas taxas de prescrição de medicamentos” para o tratamento de TDAH. O parlamentar citou como exemplo a Ritalina, droga que tem como princípio ativo o metilfenidato.
— O uso indiscriminado da Ritalina me parece ter virado uma cultura, até para comodidade de pais. Isso, claro, tem algum efeito para aquela criança ou adolescente. Que impacto isso tem? Que sequelas isso pode ter? Fico muito preocupado com o efeito devastador que o uso indiscriminado deste medicamento, que virou moda, esteja causado para as futuras gerações do Brasil — disse.
A médica Maria Aparecida Affonso Moysés, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), apontou uma “epidemia de diagnósticos” de TDAH, realizados a partir de “critérios frouxos vagos e imprecisos”. Segundo ela, a produção de metilfenidato saltou de 38 toneladas para 72 toneladas em 2014 — um dado sem parâmetro em qualquer área da medicina.
— Há um processo grande medicalização e ‘patologização’ da vida de crianças e adolescentes que apenas estão fora de parâmetros sociais artificiais. Vivemos uma epidemia não de transtornos mentais, mas de diagnósticos de transtornos mentais. Um ideário que não aceita diferenças, questionamentos, singularidade. Um ideário que nos quer padronizados, normalizados, não questionadores, submissos, respeitadores do status quo. Um ideário que pretende o genocídio do futuro — afirmou.
A professora Izabel Augusta Hazin Pires, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e representante do Conselho Federal de Psicologia, disse que o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com maior consumo de metilfenidato. Ela destacou “efeitos tardios” provocados pelo uso continuado do medicamento: dependência, mascaramento de doenças como ansiedade e síndrome do pânico, diminuição de apetite e sono, problemas cardiovasculares e até óbito.
— A medicalização promete respostas imediatas e simplistas. O uso da Ritalina vem sendo feito de forma indiscriminada, muitas vezes sem qualquer acompanhamento. A escola, que deve ser um espaço de desenvolvimento e aprendizagem, tem se tornado em muitos casos um locus de diagnóstico, apenas de rotulação. Isso rouba seu principal objetivo. A escola precisa ser criativa, inovadora. A intervenção ofertada não pode ser circunscrita ao uso medicamentoso — disse.
“Diagnóstico rápido”
A neuropsicopedagoga Thicciana Maria Damasceno Firminiano, especialista no atendimento de crianças e adolescentes com TDAH, ponderou que a Ritalina “impacta na melhoria da qualidade de vida” de pacientes. Mas reconheceu que é preciso garantir um diagnóstico criterioso antes da prescrição.
— A medicalização já está acontecendo. E por que acontece? Podemos levantar várias hipóteses. Entre elas, a realização de um diagnóstico rápido, como temos visto muito. Diagnósticos realizados em pequenas sessões, às vezes por um profissional somente. Um diagnóstico não pode ser feito em 30 minutos, em três ou cinco sessões. O TDAH não é tão simples assim. É preciso fazer uma anamnese bem-feita, investigar a criança na sua essência, desde o seu nascimento. É uma investigação profunda e séria — afirmou.
A advogada Isaura Sarto, especialista em direito da pessoa com deficiência, é mãe de um garoto que, aos 3 anos, recebeu o diagnóstico de autismo. Ele foi tratado apenas com terapias e sem medicamentos até os 11 anos, quando também teve o diagnóstico de TDAH e passou a fazer o uso da Ritalina. A convidada defendeu a prescrição da substância para quem realmente precisa.
— A Ritalina mudou a qualidade de vida dele, mudou o meu filho. Ele ficou mais presente, mais tranquilo. Passou a não precisar tanto da acompanhante terapêutica na escola. Começou a ficar mais independente nas relações. Ficou mais responsivo às pessoas e ao convívio social. Medicamento é importante para quem dele precisa. Qualquer mudança que se venha a fazer na regulamentação atual não pode dificultar ainda mais a vida de quem realmente precisa do medicamento — advertiu.
Segundo Christina Hajaj Gonzalez, representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), a prevalência mundial de TDAH entre crianças e adolescentes varia de 3% a 5%. No Brasil, dois estudos apontam para prevalências de 1,8% e 5,8%, respectivamente. A especialista defendeu terapêutica adequada da doença.
— Quando a gente não faz um diagnóstico e um tratamento adequados, as pessoas que vivem com esse tipo de doença podem sofrer consequências bem importantes: baixa autoestima, sonolência diurna, impulsividade, oscilações de humor importantes, uso de álcool e drogas e dificuldades nos relacionamentos interpessoais — explicou.
Fonte: Agência Senado