O Ministério Público Federal (MPF) quer a responsabilização cível de um dos envolvidos na prisão ilícita, tortura e homicídio de seis opositores políticos da ditadura militar, no episódio conhecido como Massacre da Granja São Bento, ocorrido no município pernambucano de Paulista, em 1973. Para isso, ingressou na Justiça Federal com uma ação civil pública contra o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha, que atuou no Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo.
A ação busca também a condenação da União a divulgar os fatos relativos ao Massacre da Granja São Bento, por meio de ação ou espaço destinado a promover a memória e a verdade com relação às graves violações aos direitos humanos ocorridas em Pernambuco. Outro objetivo é a condenação também da União a reparar os danos imateriais causados pelas condutas de seus agentes durante a repressão aos dissidentes políticos da ditadura, mediante pedido de desculpas formal à população brasileira, com a menção expressa ao ocorrido na Granja São Bento.
O MPF requer, na ação, que a Justiça Federal condene Carlinhos Metralha a ressarcir as indenizações pagas pelo Tesouro Nacional aos familiares das vítimas do massacre, bem como que seja cassada sua aposentadoria como delegado da Polícia Civil. Requer ainda que a União seja condenada a adotar medidas para localização dos restos mortais de Soledad Barrett Viedma, Eudaldo Gomes da Silva e Evaldo Luiz Ferreira de Souza, três dos opositores assassinados.
O MPF pediu também à Justiça Federal, entre outros pontos, a condenação da União, do Estado de São Paulo e de Carlinhos Metralha a repararem os danos morais coletivos, mediante indenização a ser revertida ao Fundo de Direitos Difusos. Para o órgão, essas providências são instrumentos indispensáveis de prevenção contra novos regimes autoritários adeptos da violação de direitos humanos e de demonstração de que esses atos não podem ficar impunes.
Seis mortos – Os atos de violência praticados por Carlinhos Metralha na operação policial que resultou no Massacre da Granja São Bento causaram as mortes de Soledad Barrett Viedma, Pauline Philippe Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva. Houve ainda a ocultação dos cadáveres de Eudaldo, Evaldo e Soledad, que testemunhas relataram estar grávida à época.
O ajuizamento da ação representa a continuidade na adoção de medidas voltadas à promoção da justiça com relação aos autores de graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar, tendo em vista não só a implementação do direito à verdade, como também a responsabilização civil dos envolvidos pelo dano causado às vítimas, a seus familiares e à sociedade.
Carlinhos Metralha já foi condenado, na esfera penal, como o primeiro ex-agente da ditadura responsabilizado por crimes cometidos no período. Essa condenação histórica foi resultado de uma denúncia do MPF, em 2012, pelo sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, em 1971, em São Paulo.
Cabo Anselmo – O Massacre da Granja São Bento também teve como responsável direto o ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo, que delatou os opositores da ditadura militar após atuar no grupo como agente infiltrado da repressão. Ele manteve um relacionamento afetivo com Soledad Viedma, que se suspeitava grávida quando foi sequestrada, torturada e morta, após a delação de seu então namorado.
O MPF vem promovendo diligências para confirmar a morte de Cabo Anselmo, noticiada em março deste ano, mas sem qualquer registro oficial.
Tiroteio forjado – Com base nas evidências de perícias, pesquisas e laudos colhidas ao longo de anos e analisadas pelo MPF, é possível concluir que a versão oficial de que teria havido, na Granja São Bento, um tiroteio entre os opositores da ditadura e agentes da repressão é falsa. Todos os militantes mortos – que integravam a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – haviam sido sequestrados por agentes da repressão, em lugares e ocasiões diferentes, antes do massacre, e, posteriormente, torturados e assassinados.
Um dos peritos criminais ouvidos pelo MPF concluiu que “a suposta cena do crime foi forjada para reforçar a versão da ‘resistência seguida de morte’, de modo que, junto aos corpos – cujas marcas de tortura eram gritantes e que já apresentavam rigidez cadavérica –, foram espalhadas armas e munição, como se os militantes estivessem usando-as no momento da morte.”
Conforme consta na ação, “tratou-se, na verdade, de operação premeditada e orquestrada pelo regime militar para desarticular a base da VPR no Nordeste, a partir da infiltração do Cabo Anselmo em sua estrutura, resultando nas prisões, torturas e homicídios de seis integrantes dessa organização revolucionária”.
Não ao esquecimento – Considerando decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Constituição brasileira e tratados internacionais de que o Brasil é signatário, o MPF argumenta na ação que “os fatos reportados são tão graves que recebem o tratamento jurídico de crimes contra a humanidade, como forma não só de reparo às vítimas, mas acima de tudo para prevenir que episódios dessa estirpe se repitam no futuro.” Dessa forma, não se aplicam ao caso a Lei de Anistia (6.683/1979) ou prazos para prescrição das violações cometidas.
MPF