Não se sabe a data exata em que o novo coronavírus chegou no Brasil, mas o primeiro caso da covid-19, a doença causada por ele, foi registrado em São Paulo no dia 26 de fevereiro.
A partir de então, o vírus começou a se espalhar pelo país, primeiro pelas rotas aéreas entre as capitais e os principais centros urbanos, depois pelas rodovias, que interligam as cidades brasileiras.
Hoje, há casos confirmados dele em todos os municípios com mais de 500 mil habitantes, que são 48 no total, e em 93,8% daqueles com população entre 100 e 500 mil pessoas (259 dos 276 existentes).
Os dados são do MonitoraCovid-19, um sistema criado, em 30 de março, por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que integra dados sobre o novo coronavírus no Brasil e no mundo.
O objetivo é criar um retrato em tempo real da epidemia no país, por estados e por municípios, possibilitando a comparação de tendências e extração de dados para análises. Ou seja, pretende analisar a disseminação espacial e temporal da covid-19.
O pesquisador Ricardo Dantas, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (ICICT), da Fiocruz, e do MonmitoraCovid-19, diz que a doença começou nas principais metrópoles e, a partir desses espaços distantes de outras grandes cidades, mas profundamente integrados por via aérea, começou a se disseminar pelo país e delas para outras regiões, por vias rodoviárias.
De acordo com seu colega Christovam Barcelos, coordenador do MonitoraCovid-19, os dados levantados pelo sistema mostram que, de maneira geral, há uma tendência de interiorização da pandemia.
“A maior parte dos casos de Covid-19 está ainda localizado nas metrópoles”, diz. “Cerca de 73% deles se concentram nas regiões metropolitanas, onde moram apenas 33% da população do Brasil. As cidades pequenas e remotas (chamadas centros locais pelo IBGE) possuem no momento somente 4% dos casos.”
Mas a tendência a médio prazo é estes valores se equipararem, com a distribuição quase uniforme da incidência da doença. Segundo Dantas, essa interiorização se dará em direção à região Sul, Sudeste, estados do Nordeste e ao Centro-Oeste, especialmente no entorno de Brasília, pelas grandes vias de circulação.
“Talvez a situação que podemos apontar como mais problemática é a do Sul, por conta da aproximação inverno, da redução das temperatura”, prevê.
Barcelos diz que os dados do sistema tornam possível comparar três tipos de cidades, as localizadas nas regiões metropolitanas, as chamadas capitais regionais e os centros locais. “As curvas de crescimento do número de casos são paralelas”, explica.
“Elas são separadas por cerca de duas semanas, no entanto. Isto é, o que acontece em uma cidade grande se reflete com um atraso de alguns dias nas menores, que possuem uma grande dependência das primeiras, tanto para realização de serviços, quanto para o trabalho e lazer.”
A restrição de transporte entre estas cidades pode ter retardado a ocorrência de surtos epidêmicos nas pequenas. “No entanto, a curva de crescimento nessas últimas (chamadas centros locais) é ligeiramente mais acelerada que nas metrópoles”, conta Barcelos.
“Isto indica que, com o passar do tempo, grande parte dos casos podem se concentrar nos municípios pequenos e remotos, onde vive cerca de 28% da população. Isto é extremamente preocupante porque são em geral cidades com baixa oferta de serviços de saúde e que precisam dos grandes centros para o diagnóstico e tratamento da doença e, em alguns casos, a internação em hospitais especializados.”
Para classificar as cidades quanto ao seu tamanho e área de influência, os pesquisadores usaram as informações da pesquisa Regiões de Influência das Cidades (REGIC), do IBGE, que as hierarquiza em cinco grupos: metrópoles (principais centros urbanos do Brasil, com redes urbanas de influência e grande grau de extensão, algumas em todo o território nacional); capital regional (exercem influência no estado e em estados próximos); centro sub-regional (influência preponderante sobre os demais centros próximos); centros de zona (municípios que apresentam importância regional, limitando-se as imediações/redondezas, exercendo funções elementares de gestão); e os centros locais (o restantes dos municípios em que a sua importância não extrapola seus próprios limites).
Além dos maiores municípios (de 100 a 500 mil e mais de 500 mil habitantes), o MonitoraCovid-19 também apresenta dados dos menores.
Segundo nota técnica divulgadas por seus pesquisadores no dia 17 de abril — a mais recente —, há casos registrados da doença em 59,6% das cidades com população entre 50 e 100 mil habitantes, que são 208 do total de 349 existentes no Brasil; em 25,8% das que têm 20 e 50 mil moradores (284 de 1.101); em 11,1% daquelas com população entre 10 e 20 mil (149 de 1.344); e 4,1% das áreas urbanas com menos de 10 mil habitantes (100 de 2.452).
Segundo Barcelos, os dados coletados até agora tornam possível concluir que a curva de crescimento brasileira está um pouco menos acelerada, ou menos íngreme, que a de outros países, que estabeleceram políticas e controle tardiamente, como a Itália e os Estados Unidos.
“Mas, infelizmente, estamos acima de países como o Japão”, revela.
“Obviamente, cada Estado do Brasil tem tido um comportamento diferente e isso pode custar caro aos locais em que o problema está sendo menosprezado. O MonitoraCovid-19 permite essas comparações e um monitoramento permanente, o que vai ser importante para acompanhar as medidas de relaxamento do isolamento.”
Os pesquisadores também analisaram o crescimento diário do número de casos da doença, em três semanas distintas, de 29 de março a 4 de abril, e de 5 a 11 e de 12 a 16 de abril, segundo os estados brasileiros.
Na nota técnica que divulgaram, eles dizem que se pode “observar que houve uma tendência à desaceleração do crescimento no número de casos em boa parte das UFs do país, principalmente nas regiões Sudeste e Sul”.
Mas, ainda de acordo com a nota, a pandemia segue com alto crescimento no número de casos na região Norte, marcadamente no Estado de Rondônia, e no Nordeste, onde se destacam os estados do Piauí e Alagoas.
“Também é preocupante a situação dos Estados do Pará, Amapá, Maranhão e Pernambuco, que seguem com tendência de crescimento acelerado no número de casos.” A tendência geral de decréscimo, no entanto, “pode ter relação com as medidas de isolamento social, dado que a comparação com outros países torna evidente o comportamento similar em várias partes do mundo”.
Uma das conclusões da equipe do MonitoraCovid-19 é que a epidemia do novo coronavíus apresenta comportamento diferentes de outras recentes. “A velocidade de propagação da doença é rápida e difusa, embora sejam observados alguns padrões”, dizem na nota técnica.
“No mundo, o início da sua disseminação acompanhou grandes ‘hubs’ aeroportuários e, num segundo momento, parece estar associado ao tamanho populacional das cidades. Nesses casos, ‘hubs’ aeroportuários secundários já dentro do país e caminhos rodoviários mais intensos parecem responder pelo processo de propagação. Em todos os casos, o tamanho populacional e, por consequência, o nível de centralidade do município parece responder pelo processo de propagação da Covid-19.”