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Juíza teme PL de abuso de autoridade e diz que por 21 anos decretou prisões baseadas apenas em sua consciência

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A juíza da 8ª Vara Criminal de Cuiabá, Maria Rosi de Meira Borba, que também é vice-presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), disse temer que o Projeto de Lei sobre abuso de autoridade interfira na maneira como tem feito seu trabalho. Ela afirmou que durante seus 21 anos de magistratura decretou prisões “baseado só e exclusivamente na minha consciência”.  A prática de decretar prisões antes de sentença condenatória transitada em julgado é alvo de crítica de vários juristas.

A proposta, que ainda necessita ser sancionada pela Presidência da República, lista 37 ações que, se forem praticadas com o intuito de prejudicar ou beneficiar alguém, configura abuso de autoridade. Entre elas, a de executar mandado de busca e apreensão de forma ostensiva para expor o investigado, impedir encontro reservado entre presos e seus advogados e decretar a condução coercitiva de testemunhas ou de investigados que não tenham sido intimados a depor.

A juíza Maria Rosi de Meira Borba disse temer que, se aprovada, esta lei venha a prejudicar a maneira como faz seu trabalho. Ela já atua como titular da 8ª Vara Criminal há 14 anos, mas trabalhou nos municípios de Porto dos Gaúchos, Juara, Juína, Alta Floresta, Diamantino e Cáceres, e todos estes lugares na área criminal. Ela afirmou que neste período decretou prisões apenas baseada em sua consciência.

“Durante 21 anos eu indeferi pedidos do Ministério Público, dos delegados, indeferi pedido de advogados, baseado só e exclusivamente na minha consciência e naquilo que eu acredito. Ontem me pediram duas prisões, eu determinei as duas, e digo aos senhores, que se esta lei estivesse valendo as prisões não teriam sido deferidas”.

Ela afirmou que esta lei pode beneficiar não apenas criminosos “do colarinho branco”, mas também membros de facções criminosas e responsáveis diretos pela violência que atinge a sociedade.

“[Sempre foi] Com a minha consciência, até hoje. Eu nunca admiti qualquer interferência isso. Graças a deus eu tive uma vida como magistrada independente. Essa independência hoje está ameaçada de forma perigosa. A população tem que entender que essa lei não vale só para o colarinho branco, ela vale para o comando vermelho, para o PCC. Eles vão usar dessas leis para emparedar o juiz”.

Durante todos estes anos ela afirmou que, apesar da maneira como decide pelas prisões, nunca recebeu qualquer reclamação no Tribunal de Justiça, ou mesmo no Ministério Público ou Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“[Nesta semana] eu estava fazendo uma prisão. Eu peguei a lei, coloquei do meu lado, estava lendo o processo. Eu decretei as prisões e me perguntei: se essa lei estivesse em vigor, eu decretaria?  Eu tenho dúvidas, eu acho que não. […] É isso que me assusta. Se para mima ela é assustadora, imagina para os outros como vai ser”.

A magistrada afirmou que busca se basear na lei para decretar as prisões, mas que devido à natureza dos processos novos fatos podem surgir e alterar a situação fática.

“Eu preciso estar convencida e fundamentada nos indícios que há no processo. Eu preciso ter indícios de autoria e materialidade para que eu possa decretar a prisão de alguém. É normal que esses fatos mudem durante o processo. O juiz age em um determinado momento. É um quadro da realidade que é recortado para o juiz. Então, se a policia me traz dados que aquele é o agente que realizou o crime, a vítima me diz que reconhece aquele assaltante, é necessária a prisão preventiva”.

Ela ainda disse que, caso a lei seja aprovada, será mais conveniente para muitos juízes que prisões não sejam decretadas, pois ao decorrer do processo pode ser verificado que a prisão não era necessária e o juiz ser processado.

“Se ao final do processo, ficar provado que a vítima se equivocou, a polícia se equivocou, a mim cabe de absolver o réu. É para isso que o estado me paga e dá as garantias que eu tenho. Eu tenho garantia de ser inamovível, não posso ser tirada da minha vara, são garantias da população para que faça o meu trabalho tranquilamente. Hoje, com essa nova lei, o juiz pensa que se eu prender com esses indícios e lá no futuro ele for absolvido, eu vou ser processada. Eu saio da minha condição de magistrada e passo para a condição de réu. É muito complicado para nós essa situação. É temerosa demais”, afirmou.

O ato de decretar prisões antes da sentença condenatória transitada em julgado é alvo de críticas de diversos juristas. O ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é um dos que já se manifestou contra esta prática.

Ele defende que prisão final é resposta ao crime, enquanto prisão cautelar é resposta aos riscos do processo. Sua posição é que, caso não seja comprovado o risco ao processo, o réu deve responder em liberdade.

“Nós temos situações que chegam a ser absurdas, tem situações de pessoas que ficam mais tempo presas durante o processo do que a pena final que terão. Cerca de 40% dos nossos presos, nos presídios, são provisórios, presos ainda presumidamente inocentes. Destes, quase 40% não receberão pena em regime semiaberto ou fechado, ou seja, são pessoas que ou serão inocentadas. Melhor seria até serem condenadas sem processo porque sairiam da cadeia no mesmo dia, e o processo não pode ser assim”, disse o ministro.

Ele afirma disse que um dos fatores que contribui para as prisões provisórias é a falta de recursos para o cumprimento de outras medidas. Ele avalia que a pressão popular também é outro motivo responsável por esta prática.

“Nós temos uma pressão popular, que é normal, pela prisão. Hoje em dia eu até comento entre os juízes, que o juiz tem que ter coragem para prender poderosos, mas precisa também ter coragem pra soltar, porque no dia seguinte a crítica virá como se ele estivesse fazendo a absolvição da pessoa, como se estivesse dizendo que ela não é culpada, e na verdade ele está simplesmente garantindo os direitos da Constituição, que prevê que a prisão durante o processo é exceção”.

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