Um estudo inédito publicado no periódico JAMA Oncology descobriu uma nova combinação de medicamentos para o câncer de mama metastático – a fase mais avançada da doença – capaz de aumentar em até 10 meses a taxa global de sobrevida – que, atualmente, é de cerca de três anos. A terapia ainda possibilita o adiamento da quimioterapia por até quatro anos. O novo tratamento é feito por meio da combinação do abemaciclibe (um inibidor de ciclina, enzima responsável pela divisão celular) e do fulvestranto (uma medicação anti-hormonal que interfere no processo de proliferação celular).
“Esses resultados são muito impactantes. A nova combinação permite que, mesmo com doença metastática, as pacientes vivam mais e com qualidade de vida. Além disso, elas conseguem adiar o uso da quimioterapia por perÃodos mais longos e têm a conveniência de tomar a medicação em casaâ€, explica Gilberto Amorim, coordenador nacional de Oncologia Mamária da Oncologia D’Or.
Outra vantagem são efeitos colaterais menores: ao contrário da quimioterapia tradicional, que causa uma série de desconfortos para as pacientes, a nova combinação não causa queda de cabelo, baixa imunidade, vômito ou maior risco de infecções. Os efeitos adversos mais comuns são alterações no sangue e diarreia – problemas de fáceis de monitorar e tratar. Essa menor incidência de efeitos colaterais se deve ao fato de que as substâncias atingem majoritariamente células tumorais, ou seja, poucas células sadias são prejudicadas pelo tratamento.
A nova combinação é indicada para pacientes com câncer de mama metastático que já tenham falhado em tratamento anterior com anti-hormônios. De acordo com Amorim, pode ser que no futuro, avaliando os resultados no dia a dia dos pacientes, seja possÃvel acioná-la para o tratamento inicial desse estágio do câncer.
Mecanismo de ação
De acordo com a pesquisa, a junção dos medicamentos conseguiu reduzir em 25% o risco de morte entre pacientes que já haviam falhado em uma terapia endócrina prévia. Esse resultado é possÃvel porque o abemaciclibe inibe a produção da enzima ciclina, fundamental para o processo de divisão celular. Uma vez que essa enzima deixa de ser produzida, há interrupção do ciclo celular, o que impede a proliferação de células tumorais e, consequentemente, leva à morte das células doentes.
Já o fuvestranto retira o estÃmulo hormonal para que elas não se proliferem ao mesmo tempo em que bloqueia o mecanismo de divisão celular. “Por isso a combinação funciona tão bemâ€, comenta Amorim. O oncologista esclarece que os resultados variam de acordo com o paciente já que cada organismo opera de forma diferente. “Alguns podem responder por menos tempo e outros sequer vão responderâ€, diz.
As novas descobertas foram apresentadas no Congresso da Sociedade Europeia de Medicina Oncológica (ESMO, na sigla em inglês), que aconteceu em Barcelona, na Espanha, entre os dias 27 de setembro e 1º de outubro.
Como conseguir a combinação?
Segundo Amorim, o fuvestranto (injeção mensal) é de fácil acesso e os convênios médicos cobrem os custos da medicação. Entretanto, o abemaciclibe (comprimido de uso diário) não é de cobertura obrigatória por não estar no hall de medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Alguns convênios podem aceitar a solicitação, mas outros só vão fornecer a medicação por meio de liminar judicial.
“As pessoas devem solicitar o acesso ao remédio para o plano de saúde, mesmo que tenham de entrar na justiça para consegui-lo, pois os resultados são significativos na vida do pacienteâ€, ressalta. O especialista espera que a substância entre na lista da OMS em 2021, o que deve facilitar sua obtenção.
Câncer de mama
O câncer de mama é o mais comum entre mulheres e o segundo tipo que mais causa morte no Brasil, sendo responsável por 14 óbitos a cada 100.000 mulheres brasileiras, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Em 2016, foram registradas mais de 16.000 mortes. A entidade ainda estima que devem surgir quase 60.000 novos casos em 2019.
A população mais afetada pela doença é a feminina – especialmente a partir dos 40 anos –, mas também pode acometer homens (1% dos casos). Se diagnosticado precocemente, a chance de cura chega a 95%. Dados do Estudo Amazona indicam, no entanto, que a maioria das mulheres no Brasil recebem o diagnóstico em fase avançada: 53,5% em estágio II e 23,2% em estágio III. Isso reduz a probabilidade de cura.
O estágio IV, também chamado de câncer de mama metastático, é a fase mais avançada da doença, quando as células cancerÃgenas afetam outros órgãos do corpo, como ossos, pulmão, fÃgado e cérebro. De acordo com Amorim, o câncer de mama metastático é incurável e apresenta altas taxas de mortalidade – a maioria dos pacientes morre em decorrência do câncer. “É como se fosse uma doença crônica, você consegue tratá-la, mas provavelmente vai precisar da medicação para o resto da vidaâ€, explica.