Nortão é a região que se espalha por uma área da Amazônia Mato-grossense situada abaixo do Paralelo 13 até as divisas com Pará e Amazonas e delimitada pela margem esquerda do rio Xingu e alguns de seus formadores, e pela direita do rio Arinos até sua foz no Juruena, prosseguindo por esse rio em sua margem direita até o encontro das águas com o Teles Pires, onde começa o Tapajós. No tocante aos municípios banhados pelo Arinos, para efeito de limites consideram-se como partes integrantes do Nortão somente os que têm sede em sua margem direita. A base territorial da região tem 35 municípios ( * e Infográfico).
Essa área se divide em dois ciclos históricos. Um de vazio demográfico anterior à Rodovia BR-163 e outro após sua construção nos anos 1970. Se fosse estado, o Nortão seria o 12º em extensão e maior que Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina ou o Distrito Federal.
O marco temporal do capítulo na série é o ano de 1953. Porém, o detalhamento tem o ponto de partida em 1970 com o início da obra da BR-163. A história registra a presença de exploradores e aventureiros na região desde o começo do século XIX, mas não se tratava de colonização e sim de incursões. Se o objetivo fosse retratar presenças importantes de figuras que lá estiveram, não seria difícil citá-las:
No começo do século XIX aventureiros tentaram escoar o diamante mato-grossense para a Europa via Santarém chegando até a cidade paraense por meio daquela que se chamou Navegação Paranista, pela hidrovia formada pelos rios Arinos, Juruena e Tapajós.
O tenente da Polícia Militar de Mato Grosso Antônio Peixoto de Azevedo, que explorou o São Manuel em 1919 buscando caminho seguro ao Pará em substituição à navegação pelo Juruena, não poderia ser omitido; Peixoto de Azevedo empresta seu nome a um município e um rio da região.
O barão Georg Heinrich von Langsdorff seria figurinha carimbada; entre 1824 e 1829 ele chefiou a Expedição Langsdorff percorrendo 16 mil quilômetros Brasil afora a partir de Minas Gerais, com roteiro terrestre e fluvial por Mato Grosso.
O capitão do Exército Antônio Lourenço Teles Pires seria uma das citações; Teles Pires foi escalado para fazer levantamento do rio São Manuel, que nasce com o nome indígena de Paranatinga, mas não concluiu a missão: em 2 de maio de 1890 sua embarcação afundou e o matou – em sua homenagem o rio foi rebatizado com seu nome.
Além deles, em maior ou menor escala, seringueiros habitaram a região. De um deles surgiu o nome de uma das principais cidades de Mato Grosso: Lucas do Rio Verde. Francisco Lucas de Barros explorava um seringal nativo na calha do rio Verde. Quando alguém se referia ao lugar, dizia “lá no (seringal do) Lucas do rio Verde”.
Alguns fazendeiros também exploravam seringais no eixo da Estrada do Rio Novo, vicinal que era intransitável no inverno amazonense e que tem um trajeto quase paralelo ao da BR-163 e dava passagem ao látex extraído na região, com destaque para o cultivo do então deputado estadual Mário Spinelli.
Spinelli, além de presidir a Assembleia Legislativa foi considerado um dos políticos mais influentes de sua época. Para agradá-lo os pecuaristas Roberto e Carlos Brunini denominaram de Ubiratan a fazenda que tinham na região – Ubiratan com a grafia Ubiratã é nome de um dos filhos de Spinelli. Essa propriedade foi vendida em 1976 para Manuel Pinheiro, fundador da vila que mais tarde seria a cidade de Nova Ubiratã.
Ubiratã Spinelli, filho de Spinelli, foi deputado estadual e presidente da Assembleia; também se elegeu deputado federal e ganhou uma cadeira de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, o qual presidiu.
* Sinop, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Nova Guarita, Colíder, Nova Canaã do Norte, Carlinda, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Juara, Novo Horizonte do Norte, Tabaporã, Porto dos Gaúchos, Tapurah, Itanhangá, Ipiranga do Norte, Marcelândia, União do Sul, Cláudia, Santa Carmem, Vera, Feliz Natal, Santa Rita do Trivelato e Nova Ubiratã.
MÉDIA – A região tem 230.702 km² e a média territorial dos seus municípios é 6.591 km². Sua área representa 25,54% do território mato-grossense de 903.207 km. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio no Nortão é 0,698 numa escala de zero a um. A renda per capita média nos 35 municípios é R$ 44.874,35.
INFOGRÁFICO – Édson Xavier e Marco Antônio Raimundo – Marcão
Onde o ouro dava as cartas
Município na divisa com o Pará, Peixoto de Azevedo foi o símbolo do Ciclo do Ouro, que atraía garimpeiros em busca da fortuna fácil. Agora, é palco da mineração empresarial. Trocam-se os pesonagens, mas o sentido é o mesmo.
Da explosão do garimpo, – fofoca, como se diz no jargão garimpeiro – ao êxodo. Da riqueza fácil ao caos que a deixou a um passo de ser cidade fantasma. Foi assim com Peixoto Azevedo, que viveu o Ciclo do Ouro no Nortão e que é a referência urbana daquele curto período marcado por assassinatos, malária, balanças de precisão em muitas portas abertas na Rua do Comércio, de intensa movimentação de mono e bimotores, camionetes de frete transportando doentes e sonhadores, ônibus despejando levas de aventureiros. Em suma, no auge da opulência e quando o declínio começou Peixoto era um fuzuê danado, onde a verdadeira moeda circulante era o grama do metal mais cobiçado no mundo inteiro.
O grama cotava o sexo nos incontáveis cabarés e também era parâmetro para compra de ingressos aos shows no Clube Maranhense, com Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Gretchen – a Rainha do Bumbum -, Pedro Bento & Zé da Estrada. Também era ele que garantia nas farmácias a salvadora dose de quinino para espantar a febre quando o Hospital da Malária da Irmã Adelis, na vizinha Matupá, estava superlotado.
Fortunas arrancadas da terra e do leito dos rios da noite para o dia tiravem miseráveis garimpeiros da miséria.
Assim era Peixoto, uma cidade onde a imaginária linha que separa a extrema pobreza, da riqueza, não passava de um punhado de metal amarelo que cabia na palma da mão. A cidade de garimpeiros que trabalhavam do nascer ao pôr do sol, era a mesma onde eles se esbaldavam à noite nas orgias, de crimes e impunidade. Aquele período não mais existe. Cedeu lugar a uma nova era, de comércio solidificado, de agricultura e pecuária com sinais de vitalidade, de extração mineral organizada e ambientalmente correta.
O Ciclo do Ouro se estendeu de 1978 ao começo de 1995. A política mineral do presidente Collor de Mello e até mesmo a escassez do metal para extração manual pelos garimpeiros decretaram o fim daquele período.
Em 1995 no auge da movimentação a população chegou a 47.009 habitantes e dez anos depois despencou para 19.224. Casas vazias, lojas fechadas, a cidade ganhou ar fantasmagórico. Agora, o número de habitantes saltou para 34.976, mas ainda menor do que no auge do garimpo.
O ritmo alucinado da extração foi engolido pelo tempo, mas quem pensa que o ouro acabou, está enganado.
O que aconteceu foi o fim da aventura e da garimpagem sem critérios ambientais, mas o metal continua lá, firme, porém em menor quantidade, o que impede o surgimento de fortunas fáceis, como antes, mas em compensação gera renda para o município e seus vizinhos Novo Mundo, Matupá, Guarantã do Norte, Nova Guarita e Terra Nova do Norte.
O município tem a vila de União do Norte, à margem da MT-322 e distante 90 quilômetros da cidade. É sede de comarca e zona eleitoral, de uma Vara da Justiça do Trabalho e de um batalhão da Polícia Militar.
Parte da área urbana é pavimentada. A água chega a todos os domicílios e uma limitada rede de esgoto atende a aproximadamente 20% da população. Peixoto é um dos divisores das amazônicas bacias do Teles Pires, formador do Tapajós, e do Xingu. Sua área é de 13.400,558 km², com Ìndice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,649 e renda per capita de R$ 14.863,24. O cacique caiapó Raoni Metuktire é aldeado na Terra Indígena Capoto-Jarina, naquele município.
MEMÓRIA – Nos anos 1950 e 60 seringueiros da empresa Rio Novo trabalhavam na área que mais tarde seria o município de Peixoto. Porém, a fixação do homem somente aconteceu a partir de 1973, com a abertura da BR-163, e logo em seguida, com a descoberta de ouro por garimpeiros de Itaituba (PA).
A primeira casa da futura cidade foi construída pelo fazendeiro Orestes Belmonte de Barros, que chegou à região em 1973, para demarcar uma área que havia comprado no rio Peixoto de Azevedo. Juntamente com Orestes, alguns outros proprietários rurais também demarcaram seus imóveis, mas somente ele permaneceu no lugar.
Encravada às margens da BR-163 a cidade tem suas raízes ligadas à rodovia. Nas margens do rio Peixoto de Azevedo o 9º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército (9º BEC) montou um acampamento. Em torno dele, surgiram casebres, bares, restaurantes, cabarés, pequenas mercearias, oficinas mecânicas e outros estabelecimentos que deram origem a um vilarejo perdido na Amazônia.
O nome Peixoto de Azevedo foi dado ao rio que banha a cidade em homenagem ao coronel da Polícia Militar Antônio Peixoto de Azevedo citado no capítulo sobre a região.
Com o surgimento da vila, inicialmente sem nome, quem se referia a ela, dizia “lá na vila do Peixoto de Azevedo”. Daí, a denominação do município.
Peixoto se emancipou de Colíder e Sinop em 13 de maio de 1986 por uma lei das bancadas do PDS e PMDB sancionada pelo governador Júlio Campos.
FOTOS:
1, 3 e 4 – Vargas De Loso
3 – Boamidia
5 – Prefeitura de Peixoto de Azevedo
Bela cidade na divisa com o Pará
Considerada a porta de entrada da região Oeste do Pará em Mato Grosso, Guarantã do Norte se situa na divisa dos dois estados e distante 1.000 quilômetros de Santarém. Essa localização foi decisiva para seu crescimento, uma vez que seu comércio varejista, atacadista e especializado atende considerável volume de consumidores paraenses que residem no eixo de influência da BR-163.
Com topografia levemente ondulada, a cidade tem largas avenidas e ensaia os primeiros passos rumo à verticalização. Guarantã do Norte tem 4.734,589 km², com 35.816 moradores. A densidade demográfica é de 6,80 habitantes por quilômetro quadrado. Seu IDH é 0,703. A renda per capita é R$ 21.462,30. A água chega a todos os domicílios e parte do esgoto é coletada e tratada. O município é sede de comarca e de zona eleitoral.
A principal atividade econômica é a pecuária, seguida pelo comércio e a agricultura. A extração de madeira foi importante nas duas primeiras décadas da ocupação da terra, mas entrou em processo de exaustão. Um frigorífico nas imediações da cidade abate bovinos.
A reserva indígena Panará, dos índios panarás, estende-se por 56.222 hectares em Guarantã, e sua área se expande para fora daquele município, que é um dos divisores das bacias do Teles Pires e do Xingu. No rio Braço Norte, da primeira bacia, na região de limite com Novo Mundo, foram construídas quatro pequenas centrais hidrelétricas.
A cidade é dividida ao meio pela BR-163. Guarantã do Norte tem uma vila e acaba de perder outra: Permanece Cotrel, e Gaúcho foi incorporada ao Pará (Leiam Belém vence disputa). A primeira é praticamente um bairro. A outra, dividida ao meio pela BR-163, é afastada da cidade. Cotrel remonta aos primórdios da colonização e vila Gaúcho nasceu com a rodovia.
MEMÓRIA – Em 1980 o Incra, em parceria com a Cooperativa Tritícola de Erechim (Cotrel), Empresa Brasileira de Engenharia e Construção (Ebec), Construtora Triunfo e apoio financeiro do Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) iniciou a implantação do projeto de assentamento Parque Peixoto de Azevedo, ao longo da BR-163, numa área da União superior a 1 milhão de hectares.
Um ano depois, o presidente do Incra, Paulo Yokota, lançou um pacote de obras na região, para construir 600 quilômetros de estradas vicinais, postos de saúde, escolas e fomentar a política agrária que tinha como uma de suas principais metas assentar pequenos agricultores do Rio Grande do Sul que foram desapropriados de suas terras para a formação do lago da hidrelétrica do rio Jacuí e, também, outros brasileiros que trabalhavam em lavouras do Paraguai, os chamados brasiguaios, além de regularizar posses já existentes.
Executor do Incra na região, o cearense José Humberto Macêdo entusiasmou-se com o projeto e pediu autorização a Yokota para fundar uma cidade às margens da BR-163. O sinal verde foi dado, o arquiteto do Incra Sérgio Antunes de Freitas planejou e elaborou um projeto urbanístico e, assim, em 2 de junho de 1981, nascia a vila de Cotrel – primeiro nome do lugar. Foram abertas duas ruas no KM 725, que mais tarde receberiam os nomes de Avenida Jatobá e Avenida Alcides Moreno Scampelini.
O fluxo migratório para a área urbana foi grande logo após a abertura das ruas. E em 16 de novembro de 1981. Cotrel foi elevada a distrito de Colíder, com o nome de Guarantã, em alusão a um tipo de madeira então muito comum na área. A escolha da denominação levou em consideração que madeireiros se referiam à região fazendo citação à madeira: “Vamos lá naquele lugar do guarantã”.
Guarantã sempre teve perfil agrícola. A Unidade Avançada do Incra registrou no final de 2000, em sua circunscrição que se estende a Peixoto de Azevedo, Novo Mundo e Terra Nova do Norte, 12.800 famílias assentadas em 17 projetos agrários.
José Humberto Macêdo, titular do Cartório do Registro Civil e ex-prefeito (1989-92); Soto Mineto, comerciante; Alcides Moreno Scampelini, primeiro farmacêutico; e Guilherme Mezomo, que instalou o primeiro mercado, formam o grupo de pioneiros.
Desde os primórdios da colonização e até meados dos anos 2000 boa parte frota de veículos de Guarantã do Norte e região era formada por carros artesanais montados sobre chassis canibalizados de jipes ou camionetes, por oficinas locais e na vizinhança. Era os chamados paco-paco, que recebiam esse nome por conta do barulho de seus motores a diesel estacionários. Porém, a Justiça proibiu sua circulação.
Guarantã pertencia a Colíder e em 13 de maio de 1986 o governador Júlio Campos sancionou uma lei das bancadas do PDS e do PMDB criando o município de Guarantã do Norte.
Uma Bandeira sobre o Nortão
Por unanimidade. Isso mesmo! Todos os ministros do Supremo Tribunal Federal votaram pela manutenção da divisa de Mato Grosso com o Pará. Com isso os paraenses legalizam e incorporam ao seu território 22 mil km², superfície do tamanho de Israel ou de Sergipe. A decisão proferida em 29 de maio deste 2020 arranca uma área rica em minérios, com topografia que permite agricultura mecanizada, geradora de energia elétrica, cruzada pelas rodovias federais 158 e 163, e situada no raio de influência do porto de Miritituba no rio Tapajos. O governo mato-grossense até que tentou, por meio de uma Ação Civil Originária, que hiberou desde 2004, mas nesse longo período os governadores que exerceram o cargo: Dante de Oliveira, Blairo Maggi, Silval Barbosa, Pedro Taques e Mauro Mendes (o atual) não se interessaram por aquela região, que Boamidia chamava até agora de Contestado. Parte dessa derrota tem que ser debitada a Dante, Blairo, Silval, Taques e Mauro Mendes.
Desde 1994 escrevo sobre o Contestado. Produzi reportagens, artigos e escrevi editoriais no Diário de Cuiabá, Revista MTAqui e neste Boamidia, e matérias em veículos de Comunicação do Rio de Janeiro e São Paulo. Infelizmente a Imprensa cuiabana não se interessou pela questão, e o mesmo fez a classe política – inclusive deputados e ex-deputados com base eleitoral no Nortão, que é uma das regiões na então área em disputa.
A divisão territorial para o surgimento de Mato Grosso do Sul reduziu a área de Mato Grosso e sua superfície remanescente não ficou totalmente definida, pois havia um antigo litígio com o Pará.
Mato Grosso tentou judicialmente restabelecer a divisa seca com o Pará feita por uma linha imaginária reta de 690 quilômetros, do ponto mais ao norte da Ilha do Bananal, em Tocantins, na margem esquerda do rio Araguaia, ao Salto das Sete Quedas, na margem direita do rio Teles Pires, em Apiacás. Ação com esse objetivo tramitou no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2004
A linha demarcatória foi adulterada pelo Clube de Engenharia do Rio de Janeiro em 1922, que discordou da homologação da divisa e dos mapas anteriores. Esse Clube errou ao interpretar o mapa original definido pelos dois estados numa convenção em 1900 homologado pelas assembleias legislativas em Belém e Cuiabá e que foi reconhecido por decreto do Congresso Nacional em 1919.
Em 1921 e 1922 as Cartas de Rondon emitidas pelo general Cândido Mariano da Silva Rondon (mais tarde Marechal Rondon) ratificaram a divisa acordada entre os estados.
Com a alteração a linha reta imaginária que une a margem esquerda do Araguaia ao Salto de Sete Quedas, no rio Teles Pires, município de Apiacás, deixou de ser observada por Belém, que passou a adotar como ponto extremo a Cachoeira de Sete Quedas, no mesmo rio, 120 quilômetros acima, no município de Paranaíta. Esse escamoteamento de interpretação resultou num contestado que levou os dois estados ao litígio no STF
.Mato Grosso nunca se preocupou em ocupar a área em litígio, ao contrário do governo paraense, que o faz e marca presença na região executando obras públicas. No final dos anos 2000 o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) iniciou uma campanha de regularização fundiária de propriedades rurais, para reforçar a tese da titularidade de Belém sobre o contestado, mas o STF suspendeu a continuidade de tal procedimento.
A área encolhe a superfície de seis municípios no Nortão: Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Alta Floresta e Paranaíta, e três no Vale do Araguaia: Santa Terezinha, Vila Rica e Santa Cruz do Xingu. Do lado paraense ela aumentou os territórios de Jacareacanga, Novo Progresso, Altamira, São Félix do Xingu, Cumaru do Norte e Santana do Araguaia.
Eduardo Gomes – Boamidia com foto
Belém vence disputa
Em meados dos anos 1970 o Rio Grande do Sul se dividiu entre os que o deixaram por Mato Grosso e os que ficaram. No município de Lagoa Vermelha, Henrique Lopes de Lima resistiu até não poder mais para ficar junto ao segundo grupo, mas foi vencido, tchê! Apertado e em busca de espaço para criar a família com dignidade, pegou a estrada e veio para ‘o’ Mato Grosso.
Com a mulher e oito filhos pequenos para criar Henrique apeou à margem da BR-163 na Serra do Cachimbo, depois de penosa viagem num surrado Fusca que ele gauchescamente chama de Fuca. O sol ainda ardia apesar do adiantado da hora a um passo da boca da noite quando seus pés tocaram o chão encharcado pela chuvarada. A paisagem que se via era mata de um lado e outro com um corredor de barro que era a BR-163, recém-inaugurada. O calendário marcava: Domingo, 14 de novembro de 1976. Naquele dia nasceu a vila Gaúcho, o último núcleo urbano mato-grossense antes do Pará.
Um improvisado rancho abrigou a família Lima. A estrada era quase deserta, mas nas primeiras horas após o desembarque alguns aventureiros a cruzaram nos dois sentidos. Henrique mal desembarcou providenciou uma mesa rústica sobre a qual botou suas ferramentas de trabalho: garrafas de cachaça, gengibre, Conhaque Presidente, vinho do Vale dos Sinos, salame de combate, biscoitos e algumas carteiras de cigarro Hollywood e Minister que cruzaram o Brasil até aquele local. No buraco que dava acesso ao interior do barraco uma placa escrita com letras tortas numa tábua não deixava dúvida que aquele era um Bar e Restaurante.
Pouco tempo após escurecer o Bar e Restaurante sem nome saiu da opaca luz de lamparina para um clarão bonito: eram os faróis de uma Kombi, que barulhenta pela falta do escapamento perdido na buraqueira parou bem em sua única porta – se é que aquilo podia ser chamado de porta.
– Ó vivente! – gritou o motorista, já com os pés no barro.
– Entre que a casa é tua, tchê! – Respondeu o dono do estabelecimento saindo ao seu encontro.
– Tu és novato por aqui! Qual é o teu nome e de onde vens? – cutucou o motorista.
– Sou Henrique Lopes de Lima, venho do Rio Grande e tenho um primo que é cabo do 9º BEC.
– Aqui tu não és Henrique coisa nenhuma. Tu és o Gaúcho, índio velho e seja bem-vindo ao fim do mundo – corrigiu.
– E qual a tua graça, gaudério? – quis saber o comerciante.
– Sou o Gaúcho da Kombi!
– A casa é tua, xará…
Enquanto os dois travavam diálogo, os demais ocupantes da Kombi desembarcaram e foram os primeiros fregueses do bar e restaurante no fim do mundo. O motorista explicou que levava um grupo de peões que prestava serviço ao 9º BEC, para votar em Sinop. “É que amanhã é dia de eleição para prefeito e essa gente (apontou para os oito passageiros) vota em Sinop aquela vila que está se formando lá pra baixo (no município de Chapada dos Guimarães)”.
Os primeiros fregueses se foram, deixando para trás o apelido que apagaria o nome Henrique. A vila por ele fundada virou sua xará.
Quando alguém se referia àquela região dizia: “Lá no Gaúcho”. Tão logo saíram, a placa de identificação do estabelecimento foi alterada para “Bar e Restaurante do Gaúcho”.
O tempo passou. Gaúcho aos poucos ampliou o negócio e o diversificou também para hotelaria. Daí a conseguir um naco de terra não foi difícil e gradualmente surgiram as primeiras cabeças de seu rebanho bovino que garantia o leite para as crianças da região e a carne no prato dos moradores e aventureiros que cruzavam a BR-163.
A sorte nos negócios também se repetia – graças a Deus, diz Gaúcho – na família. Tanto assim, que a filharada aumentou com o nascimento da caçula e mato-grossense Ângela.
Habilidoso, bom de prosa e mestre na arte de vender, Gaúcho caiu no agrado dos militares do vizinho Campo de Provas Brigadeiro Velloso, que todos na região, indistintamente, chamam de Base Aérea do Cachimbo. Em 1984 a cantina do pessoal da FAB precisava de carne bovina e um oficial procurou o único homem que num raio de 200 quilômetros poderia fornecê-la. Porém, fez uma exigência: precisava de nota fiscal para efetuar os pagamentos.
Com a proposta da FAB, Gaúcho pegou um ônibus do Expresso Maringá e se mandou para Colíder onde abriu inscrição estadual. Com alguns blocos de nota fiscal debaixo do braço fez o caminho inverso.
Caminhoneiros que passavam pelo Bar, Restaurante e – também – Hotel Gaúcho exigiam comprovação do pagamento e o comerciante emitia NF que identificava seu estabelecimento enquanto empresa instalada na Vila Gaúcho, à margem da BR-163, no município de Colíder, Estado de Mato Grosso, perto do córrego do XV.
A fiscalização fazendária paraense torceu o bigode com Gaúcho, porque julgava que a área onde seu estabelecimento funcionava pertencia ao Pará. Tanto assim, que um quilômetro após seu bar, restaurante e hotel, rumo a Cuiabá, havia um posto fiscal instalado por Belém num barraco de madeira em palafitas apesar de localizado em plena Serra do Cachimbo, que pertence a Mato Grosso.
Gaúcho sofria pressão dos paraenses, mas nunca se indispôs com a fiscalização. Mesmo assim, certo dia, o cerco se apertou contra ele porque emitia NF para caminhoneiros. Por coincidência quando a situação se azedava uma viatura da FAB estacionou em sua porta. “Vou emitir a NF do mês para a Base; se vocês têm alguma coisa contrária reclamem com eles”, desafiou. Não se ouviu nenhum pio. O único barulho ficou por conta da camionete do governo do Pará se arrancando.
A inscrição do estabelecimento do Gaúcho nunca foi utilizada por Mato Grosso enquanto reforço de prova documental na ação que move contra o Pará no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de reaver uma área triangular de 22 mil quilômetros quadrados que o vizinho ocupa indevidamente na faixa de divisa seca que se estende do ponto mais ao norte da Ilha do Bananal, no rio Araguaia, no Estado de Tocantins, diante de Santa Terezinha, até o Salto das Sete Quedas, no rio Teles Pires, município de Apiacás, mas que por erro de interpretação ou má-fé Belém a mantém sob sua tutela.
Não se sabe por que razão o governo de Mato Grosso nunca fundamentou em sua defesa que a região da vila Gaúcho é habitada por gente que se identifica e se sente mato-grossense.
Também não se sabe por que o mesmo governo nunca argumentou que muitos posseiros daquela região receberam cartas de anuência do Incra, que os reconhece enquanto produtores mato-grossenses.
SERVIÇO – Gaúcho é uma vila com bares, restaurantes, hotelaria, posto de combustível, borracharias, mecânico quebra-galho, bolicho, sinuquinha para matar o tempo e casas onde famílias vivem em paz. Em seu entorno há duas escolas mantidas pela prefeitura de Guarantã do Norte e um posto fiscal da Secretaria de Fazenda de Mato Grosso. A energia é distribuída pela Energisa, de Cuiabá.
A vila dista 54 quilômetros ao norte de Guarantã, município ao qual pertencia. A rodovia BR-163 a divide ao meio. Distante 11 quilômetros rumo Norte o Pará construiu um posto fiscal.
Eduardo Gomes – boamidia – também foto