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Artigo: O que esconde o “bom” desempenho dos alunos nas escolas militarizadas?

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Interesses políticos e econômicos movem “mundos e fundos” para militarizar escolas públicas e gratuitas, criar escolas cívico-militares no Brasil e em Mato Grosso. Dentro dessa perspectiva, existe uma forte corrente soprando a favor da militarização das escolas da rede pública de ensino por todo país. Um dos argumentos utilizados para promover e sustentar a simpatia da sociedade com esse modelo de escola, baseia-se na falsa premissa de que o ensino nessas unidades geridas por militares, apresenta melhor desempenho que as demais.

Para desmascarar essa falácia, precisamos começar fazendo o seguinte questionamento: por que os resultados dos estudantes das escolas militares apresentam notas superiores aos que estudam em escolas públicas civis? A resposta é que o modelo de escola militarizada (ou cívico-militar) não é o fator determinante para os bons resultados.

Primeiro, o investimento feito nas unidades que passam a ser geridas pela polícia tem muito mais dinheiro público injetado pelo governo nessas escolas, proporcionando uma infraestrutura totalmente diferenciada das sucateadas escolas públicas que vemos por aí. Tudo é impecável, inclusive com a obrigatoriedade dos pais dos estudantes comprarem as fardas das corporações para frequentarem as escolas. Salas com ar condicionado, laboratórios de ensino super bem equipados, piscinas, bibliotecas e tudo mais que uma boa educação exige. É de se causar espanto e nos fazer soltar a triste frase: “nem parece escola pública”.

Um estudo feito pelo jornal O Estado de São Paulo, em parceria com o movimento Todos Pela Educação, mostra que o custo anual por aluno (o quanto de dinheiro público é investido na educação de cada estudante), em escolas geridas pelas polícias, chega a ser cerca de 3 vezes maior do que nas demais unidades de ensino. De acordo com o levantamento, enquanto que por ano, numa escola militarizada, o governo investe R$ 19 mil por estudante, em uma escola pública sem gestão militar, esse investimento cai para R$ 6 mil.

Se uma escola tem investimentos 3 vezes superior a uma outra, aquela primeira terá, consequentemente, mais chances de oferecer um ensino com mais condições e que refletirá na qualidade do processo de ensino aprendizagem. Precisamos ainda considerar que os estudantes prestam um tipo de “vestibular” para acesso. A qualidade no ensino tem a ver com os investimentos!

Entendida a questão de que, o fato de estudantes de escolas militarizadas terem um desempenho melhor, nada tem a ver com a gestão policial, precisamos mais uma vez parar e nos perguntar: por que na escola com gestão militar/policial, existe maior investimento de dinheiro público do que nas escolas civis? A resposta também é simples, objetiva e terrivelmente classista e elitista: as escolas militares não são para os filhos dos pobres. Cerca de 50% das vagas nessas unidades de ensino são reservadas, exclusivamente, para filhos de oficiais das forças de segurança. Pessoas com poder aquisitivo diferenciado.

Ah… mas ao menos 50% das vagas podem ser ocupadas pelos filhos dos pobres, você pode pensar. Ledo engano! Acontece que, ainda assim, a escola militarizada não é para “qualquer filho de pobre”. A escola de gestão militar começa excluindo, primeiro, aqueles que não são filhos de oficiais – privilégio este que não conseguimos entender, uma vez que o dinheiro investido nessas unidades é dinheiro público, que deveria ser destinado para a educação pública, sem importar quem é o pai daquele estudante. O segundo tipo de exclusão surge para os “meros mortais” (que não são filhos de oficiais). Estes, se quiserem ter a chance de estudar nessas unidades, precisam fazer um teste seletivo (vestibular) onde só os que obtiverem as melhores notas, ingressarão. Isso não choca muito quando pensamos na meritocracia: “ora, se o aluno teve boa nota, ele merece ficar”.

Esse tipo de pensamento, permita-me dizer, é um assassino de sonhos! Ele condena o estudante que tem dificuldade em alguma disciplina, os deficientes e ainda aqueles que não tiveram oportunidade de aprender mais e com uma infraestrutura escolar melhor, a continuarem sem ter essa oportunidade. Estudantes esses, que poderiam ter um potencial incrível dentro de si, mas que, por terem que pegar ônibus de madrugada, talvez chegar atrasados com frequência na escola, por não terem condições de fazer a lição de casa por terem que trabalhar em outro turno para ajudar com as despesas da família, ou então, cuidar dos irmãos menores, por estudarem numa escola com carteiras quebradas, paredes pichadas, banheiros precários, calor infernal, em alguns casos até faltando professor, por tudo isso (e mais um pouco), não se sentem estimulados a aprender.

Refletindo diante dessa realidade, será que podemos afirmar ainda, de “boca cheia,” que as escolas cívico-militares, militarizadas ou policialesca formam melhores alunos? Ou será que, na realidade, essa escola que recebe muito mais investimento do poder público, foi feita já para receber estudantes com desempenho melhor e excluir justamente aqueles que mais precisam de boas oportunidades?

Para finalizar, cito um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (https://bit.ly/2Yzus90) que avaliou o diferencial de desempenho das escolas cívico-militares ou militarizadas, utilizando diferentes métodos de comparação, de modo que se estabelecesse uma análise mais real entre os estudantes, colocando-os em condições de igualdade. A pesquisa verificou diferentes variáveis como: nível de escolaridade dos pais dos alunos, renda familiar e histórico de notas de anos anteriores desses estudantes. A conclusão aponta o que estamos desmascarando neste artigo: que o diferencial de desempenho nas escolas com gestão militar, nada tem a ver com o modelo administrativo da escola e sim, com o fato de que estudantes selecionados para essas unidades de ensino já vem, em sua grande maioria, de um histórico escolar melhor, com famílias melhores estruturadas e significativo poder aquisitivo.

Nada temos contra as forças de segurança! Acreditamos que esse serviço é essencial à sociedade, no entanto, acreditamos que a escola seja um espaço onde a individualidade, a liberdade e o pensamento crítico devam ser respeitados. A escola não é um quartel e nem deve se parecer com um. A escola pública precisa de investimento para oferecer qualidade! Por que o governo “economiza” com as escolas que são abertas a todos, que não fazem diferenciação entre um e outro; mas com as escolas que têm gestão por policiais, para filhos de oficiais, não existe timidez alguma para investir?

Além disso, os policiais que atuam nas unidades escolares deixam de exercer as suas atividades nas ruas num flagrante desrespeito às suas atribuições de quando ingressaram no serviço público, que é cuidar da segurança e bem estar da sociedade. Não para atuarem na atividade educacional. O sentido social das pessoas é que não existe segurança. Basta acompanhar nos noticiários os acontecimentos em razão da falta de segurança. Portanto, policial nas escolas são ruas sem pessoal da segurança para garantir o bem estar social da população.

Nós, profissionais da educação, não vamos parar de lutar. Nossos esforços são por uma educação pública, (com acesso a todos e sem distinção), estatal, laica, democrática e de qualidade. Não à militarização das escolas! Sim para os investimentos na educação pública!

Valdeir Pereira

Presidente do Sintep-MT.

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