“As pessoas não tão levando a sério porque ainda não doeu nelas. No dia que doer, talvez levem e respeitem o que vem sendo pedido.” O relato é do motorista Ítalo de Jesus, de 32 anos, que agora se recupera e conforta a mulher, que perdeu a irmã e o pai para o novo coronavírus.
Tudo aconteceu muito rápido, em um período de apenas duas semanas. Paulo Roberto, de 75 anos, deu entrada no Hospital Odilon Behrens no dia 3 de junho, com pneumonia.
“Ele também tinha doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pelo uso crônico de cigarro. Fez o teste, que deu negativo, e foi para a enfermaria do hospital, onde a Samira, irmã da minha mulher, cuidou dele e provavelmente se infectou”, relata Ítalo.
A doença se desenvolveu tão rapidamente que Paulo Roberto ficou internado somente por 10 dias. “Minha cunhada ficou com ele, cuidou, deu banho. Até que no dia seguinte ele teve uma parada cardíaca e foi levado para o CTI do próprio hospital. Daí, o internaram, fizeram outro exame de COVID-19, que deu positivo, e isolaram”, conta.
Paulo Roberto, vendedor ambulante e músico, morador do Bairro Santa Cruz, na Região Nordeste de BH, foi submetido ao tratamento de COVID-19, mas não reagiu e morreu no dia 13 de junho. O exame de contraprova dele ainda não foi liberado.
Nesse período, a filha que cuidou de Paulo, Samira Câmpara, de 40 anos, começou a sentir os primeiros sintomas.
“Ela apresentou os sintomas no dia 7 e logo no dia seguinte procurou um posto de saúde do bairro, que negou a fazer o teste, disse que ela estava com dengue e a mandou de volta para casa”, conta Ítalo.
Piora do quadro
Samira teria ficado em casa ainda mais dois dias, quando seu quadro piorou e ela voltou a procurar o Centro de Saúde Gentil Gomes, no Santa Cruz. “Ela foi e levou a mãe dela, que também estava debilitada, triste com a situação do sr. Paulo. Eles viram a situação delas, mandaram primeiro pra UPA Nordeste e depois pro Hospital Eduardo de Menezes”, relembra.
Mãe e filha foram, então, encaminhadas para o Hospital Eduardo de Menezes, referência no tratamento em COVID-19 em BH. O teste da mãe deu negativo, enquanto o da filha, positivo.
“A gente não sabe se a contaminação foi conjunta, se foi no hospital. A gente acredita que sim, porque minha esposa, que teve contato próximo com eles, deu negativo para o teste”, explica.
Samira, cabeleireira, ficou internada por uma semana, mas também não resistiu e veio a falecer na última quarta-feira (17). Ela deixa um filho de 11 anos.
Alento
Diante de tanta dor, a família agora comemora a melhora de Vera Lúcia, de 68 anos, mãe de Samira e viúva de Paulo Roberto.
“Ela está no CTI do Eduardo de Menezes ainda, mas já bem melhor. Estava agora com ela numa videochamada. Ela vai ganhar alta, só esperar o médico chegar”, diz Ítalo.
Despedida e dificuldades
O motorista relembra que as despedidas foram breves e difíceis. “O velório foi muito rápido, dez minutos. No máximo dez pessoas, caixão lacrado. Não conseguimos despedir”.
Ítalo agora se preocupa em apoiar a esposa, que perdeu pai e irmã. “Ela está muito abalada. Ela não come, não mexe no celular, não faz mais nada. Eu, que estou bem na medida do possível, tento segurar as pontas por aqui”, relata.
O sofrimento da família ainda foi motivo para preconceito por parte de vizinhos. “Muita gente na rua olhando esquisito, até fazendo piada, falando que a gente é transmissor do vírus. Acho que quem está vivendo isso já está sofrendo muito, não precisa de ainda sofrer preconceito”, diz.
“O que eu tenho a dizer é que o vírus existe. Eu também não acreditava até bater na minha porta. Todo mundo precisa tomar cuidado para não passar por isso. Prevenção em primeiro lugar”, desabafa.
* Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie