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Fome se alastra pelo mundo, diz relatório da ONU

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A meta da ONU (Organização das Nações Unidas) de erradicar a fome até 2030 está longe de ser alcançada. Como aponta o mais recente relatório da ONU sobre o assunto, após uma década de progresso, nos últimos 3 anos o número dos que sofrem inanição crônica cresceu para 820 milhões, incluindo 149 milhões de crianças menores de 5 anos, raquíticas devido à privação alimentar.

No caso de 96 milhões de famintos, “precisamos fornecer comida, ou acesso a ela, para que eles não morram”, frisa Cindy Holleman, uma das principais autoras do relatório.

Ela estima que cerca de 2 bilhões de seres humanos não têm acesso a alimentos limpos e nutritivos. Em todos os continentes, a privação é mais aguda para as mulheres do que entre os homens. Mesmo na Europa e América do Norte, 8% da população enfrenta insegurança alimentar.

A maioria dos famintos crônicos –500 milhões–, que não têm comida suficiente, seja ela saudável ou não, vive na Ásia, contra 260 milhões na África, sobretudo subsaariana. “Na verdade, as desigualdades estão crescendo em mais da metade dos países do mundo”, aponta Holleman. “A fome é pior onde a desigualdade é alta.”

Na América Latina e no Caribe, o número de pessoas atingidas cresceu e já chega a 42,5 milhões, em parte devido à desaceleração econômica, mas também pela situação na Venezuela.

Segundo o World Wealth Report 2019, que pesquisa a riqueza no mundo, cerca de 18 milhões de pessoas possuem no mínimo 1 milhão de dólares. Contudo, se renda e terra arável são distribuídas desigualmente, podem ocorrer ondas de fome mesmo em países de média renda, como a Nigéria ou o Iraque.

Outra constatação é que nem todos os que sofrem de desnutrição são magros, menciona a pesquisadora. “Agora estamos começando a ver uma conexão maior entre insegurança nutricional e excesso de peso e obesidade.” Comida menos saudável costuma ser mais barata, e se estima que haja 2 bilhões de pessoas acima do peso, afirma.

O relatório da ONU identifica 3 motivos centrais para a falta de acesso a alimentos: conflitos, mudança climática e economia fraca. De saques por soldados do governo a milícias no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo, guerra e conflito armado são as principais causas da fome.

Desde o início da guerra no Iêmen, em 2015, cerca de 3,6 milhões de habitantes foram desalojados. “Quase 4 anos de conflito e severo declínio econômico estão colocando o país à beira da fome em massa e exacerbando a carência em todos os setores”, explica Federica D’Andreagovanni, colaboradora do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) no Iêmen.

Nas zonas de guerra, o abastecimento dos bens mais básicos entra em colapso, pois torna-se mais difícil cultivar os campos ou manter lojas, e “as condições humanitárias estão piorando no Iêmen num ritmo quase sem precedentes”.

O Zimbábue, por sua vez, vivencia uma crise econômica severa: à medida que sua moeda se desvaloriza, mercadorias tornam-se mais caras, salários deixam de ser pagos, os bens importados vão se esgotando. Carros ficam horas na fila dos postos de gasolina.

“O combustível segue sendo de difícil acesso”, relata Nathan Hayes, da agência de análise Economist Intelligence Unit. “Há séria carestia de pão, pois a produção doméstica de milho foi dizimada, e o país não tem como arcar com importações.”

Cerca de 2 milhões de zimbabuenses não têm suficiente acesso a alimentos. “A desvalorização da moeda afeta preços, que por sua vez afetam o acesso a comida, renda e emprego, e o Zimbábue é um caso extremo”, comenta Holleman.

Na Nigéria, 5 milhões de habitantes sofrem escassez de alimentos nutritivos. A economia nacional, dependente do petróleo, ficou prejudicada pela queda dos preços do combustível, enquanto a inflação fez subir os preços.

O relatório da ONU constata que, das 77 nações onde a desaceleração econômica levou à escassez de alimentos, 65 são dependentes de exportações –em geral de petróleo e minerais– e de importações. Segundo Holleman, os governos precisam diversificar e transformar suas economias, para se tornarem menos dependentes de transações externas, e garantir que “as áreas rurais e as economias urbanas forneçam alternativas mais sustentáveis para a subsistência”.

A mudança climática é outro fator da falta de comida, e os extremos meteorológicos em decorrência da mudança do clima global já atingiram safras e reservas de alimentos por todo o mundo. No Zimbábue, a economia minguará devido à devastação causada pela seca e o ciclone Idai, prevê o analista Hayes.

No Quênia, por sua vez, “a estação longa das chuvas costuma ser de março ao fim de maio”, explica Peter Abiya Ochola, da Autoridade Nacional de Gestão da Seca. “Este ano tivemos uma temporada de chuvas muito ruim. Ela começou no fim de abril e durou 3 semanas, com algumas pequenas precipitações.”

Os anos de seca estão se tornando mais frequentes no país, ocorrendo a cada um ou 2 anos, em vez de a cada 5, como antes, diz Ochola. “O impacto sobre a segurança alimentar é ruim”: cerca de 1,5 milhão de quenianos deverão ser afetados pela seca em 2019, sobretudo agricultores cujos campos ou gado dependem das chuvas.

O relatório da ONU apela para a necessidade de acordos internacionais no sentido da paz e da transformação econômica sustentável, a fim de que os países emergentes possam se preparar melhor contra as causas da fome.

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