O presidente Jair Bolsonaro confirmou que deu ok para que a equipe econômica discuta a criação de um imposto semelhante à antiga Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a criação do imposto para compensar a redução da tributação que as empresas pagam sobre os salários dos funcionários, a chamada desoneração da folha. “Queremos trocar o cruel pelo feioso. Você pagar sobre transações digitais, é feio, é horroroso. Mas tudo que se fala desse imposto se aplica à folha de salários, que é muito pior. O impacto da tributação sobre a folha é três vezes mais distorcivo”.
De acordo com a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, o novo imposto sobre transações, que o governo tem tentado desvincular da antiga CPMF, não incidirá somente sobre transações digitais, mas sobre “todas as transações da economia”.
A ideia é que a alíquota de 0,2% seja cobrada nas duas pontas da operação. Ou seja, na entrada e na saída de recursos da conta, nas operações de débito e de crédito
Guedes tem dito que o novo tributo não representaria aumento de carga tributária, e a arrecadação permitiria, segundo ele, desonerar a folha de pagamento das empresas, reduzir o IPI cobrado sobre a linha branca (geladeira e fogões, por exemplo) e ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda (dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 3 mil).
A CPMF foi um imposto que existiu até 2007 para cobrir gastos do governo federal com projetos de saúde – a alíquota máxima foi de 0,38% sobre cada operação. Em 2015, o governo, então sob comando da presidente Dilma Rousseff, chegou a propor a volta do tributo, mas isso acabou não acontecendo.
A CPMF é considerada “impopular” e “antipática” por tributaristas. Diferentemente dos impostos sobre os preços de produtos e serviços, essa cobrança aparece no extrato bancário do contribuinte.
Quem pagará esse novo imposto?
Se o modelo escolhido for sobre transações financeiras, todas as pessoas ou empresas que transferirem qualquer valor por meio dos bancos e instituições financeiras pagarão o novo tributo.
Isso vale tanto para quem saca o dinheiro do caixa eletrônico quanto para quem paga uma conta de telefone via boleto bancário ou a fatura do cartão de crédito. O imposto também será cobrado sobre todas as compras feitas com cartões de crédito e débito.
A CPMF chegou a ser chamada de “imposto do cheque”, porque também incidia sobre essa forma de pagamento – muito mais usada no passado. A antiga CPMF incidia apenas sobre a saída dos recursos – quando era feito um pagamento ou um saque, por exemplo.
A nova proposta, no entanto, prevê a taxação também na entrada dos recursos: ou seja, se o correntista receber um depósito de R$ 1 mil, só R$ 998 vão efetivamente cair na conta, caso a alíquota de 0,2% proposta seja aprovada.
Por que esse tipo de tributo é criticado?
Esse tipo de tributo é um imposto de efeito cumulativo, porque incide sobre todos os agentes e diferentes etapas da cadeia produtiva, o que acaba onerando não só o sistema financeiro mas também toda a economia.
Por exemplo, na cadeia de fabricação do pãozinho isso significa que:
1) o produtor de trigo paga ao comprar insumos e ao receber pela venda do trigo;
2) o fabricante da farinha paga de novo ao comprar o trigo e ao vender a farinha;
3) o padeiro paga ao comprar a farinha e ao vender o pão;
4) o consumidor paga ao levar o pãozinho.
Apesar de todos pagarem as mesmas alíquotas, a baixa renda tende a sentir mais o peso dos impostos, proporcionalmente, por conta do efeito cumulativo: na prática, o preço do pãozinho terá embutido os tributos pagos por toda a cadeia.
O que diz o governo
Para diminuir a resistência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresenta “benefícios” como contrapartida a recriação do tributo em três frentes: empresas (redução dos tributos sobre salários); indústria (redução do IPI cobrado na linha branca) e classe média (com a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, atualmente em R$ 1,9 mil por mês).
A área econômica do governo avaliou que a tributação atual sobre a folha de pagamentos (patrão e empregado juntos), que soma atualmente 43,5%, é “muito acima” de outros países da região, como México (19,7%) e Chile (7%), representando um “desestímulo à contratação de mão de obra”.
Quais os possíveis efeitos na economia
O efeito “cascata” do imposto, que incide sobre todos os participantes da cadeia produtiva, tende a ser repassado para os preços dos produtos ao consumidor final, pressionando a inflação e gerando um aumento de preços.
O imposto também pode desestimular as movimentações financeiras, e estimular o uso de dinheiro vivo e a informalidade, além da desbancarização da população de menor renda.
Para as empresas, impostos como a CPMF também podem incentivar a concentração da cadeia produtiva e diminuir a especialização, já que o tributo é cobrado cada vez que acontece uma operação de compra e venda. Assim, as empresas tenderiam a produzir seus produtos do começo ao fim, em vez de adquirir partes produzidas por outras companhias especializadas em cada insumo.
Quais países têm tributação sobre transações financeiras
Segundo o estudo “A Reforma Tributária Necessária”, 33 países têm algum tipo de tributo sobre operação financeira. A Suécia teve a pior experiência, pois adotou, em 1990, uma alíquota de 1% sobre compra e venda de ações, o que definitivamente deprimiu o pequeno mercado de capitais do país, e o tributo foi definitivamente revogado no ano seguinte.
O Reino Unido arrecada mais de seis bilhões de libras esterlinas com seu Selo Real sobre ações. Argentina, Colômbia, Equador, Malásia, Marrocos, Paquistão e Peru também adotaram algum tipo de tributo sobre operação financeira, e até a Suíça aplica uma alíquota de 0,15% sobre ações e debêntures públicas e privadas.
Como era a CPMF
A CPMF foi criada em 1993, no governo Itamar Franco, com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e uma alíquota de 0,25%. O objetivo era cobrir parte das despesas com saúde. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a cobrança, que só pôde começar no ano seguinte, devido ao período de 90 dias entre sua aprovação e a entrada em vigor. O imposto durou até dezembro de 1994, como previsto, quando foi extinto.
Em 1996, a foi criada a CPMF com alíquota de 0,2%, no governo Fernando Henrique Cardoso. Em junho de 1999, a CPMF foi prorrogada até 2002 e a alíquota subiu para 0,38%. Esse 0,18 ponto adicional seria destinado a ajudar na Previdência Social. Em 2001, a alíquota caiu para 0,3%.
Em março do mesmo ano, voltou para 0,38%, sendo que a diferença seria destinada ao Fundo de Combate à Pobreza. A contribuição foi prorrogada novamente em 2002 e, já no governo Lula, outra vez em 2004. O imposto foi extinto pelo Senado em 2007.