O Ministério Público Federal em JuÃna (MT) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) com o objetivo de promover a defesa dos direitos do grupo indÃgena Kawaiwete (Kaiabi), requerendo que seja determinada a devolução à União de áreas, que estão sob posse de terceiros e que incidem na área da Terra IndÃgena (TI) Batelão, já demarcada. Também foi requerida a nulidade destes tÃtulos, assim como, que seja dada a imediata ocupação e permanência aos indÃgenas, que ocupavam tradicionalmente aquela região.
A ACP contextualiza a situação vivida pelos indÃgenas da etnia Kaiabi desde a década de 40, quando a bacia do Rio dos Peixes, região tradicionalmente ocupada por eles, passou a ser colonizada por meio de polÃticas adotadas pelo Governo de Mato Grosso. À época, fora promovida a alienação irregular das terras a particulares. Esse movimento ficou conhecido como “Marcha para o Oesteâ€.
De acordo com dados coletados pelo Instituto Socioambiental, diante do quadro de conflitos entre os seringalistas e os indÃgenas, e também da exploração do trabalho dos Kawaiwete nos seringais, estes foram removidos contra vontade para o Parque IndÃgena do Xingu pelos irmãos Villas-Boas, entre os anos de 1960 e 1966, deixando para trás elementos culturais e ambientais, fundamentais para a sobrevivência. “Localizada entre os municÃpios de Juara, Nova Canaã do Norte e Tabaporã, a TI Batelão tem 117 mil hectares.
Os Ãndios consideram a área como o berço da criação de seu povo. Ela fica em região de floresta, com caracterÃsticas ecológicas bem diferentes da área onde vivem atualmente os Kawaiwete no Parque do Xingu, numa zona de transição para o Cerrado. Os Kawaiwete sentem falta de recursos de fauna e flora importantes, como a castanha do Brasil, variedades de arumã (utilizado na cestaria), abelhas e uma enorme variedade de frutasâ€, consta do documento.
A colonização irregular do território, que fora retalhado em glebas que acabaram virando fazendas existentes até os dias de hoje, fizeram com que os Kaiabi se dividissem em três grupos, sendo a maioria relocada para o Parque do Xingu. Os que permaneceram compõem atualmente a TI Batelão.
Na ACP, o que se discute é a questão dos indÃgenas que permaneceram na região, ou seja, na TI Batelão, que não podem usufruir de toda a área demarcada devido à s propriedades particulares que sobrepõem a terra indÃgena. Com isso, o procurador da República e titular da ação, VinÃcius Alexandre Fortes de Barros, ajuizou a ação civil pública para que essas áreas sejam devolvidas à União, com a anulação dos tÃtulos de propriedade. “Dessa forma, haverá resguardo do direito à existência dos Kawaiwete (Kayabi) outrora retirados de seu território, o direito à sobrevivência digna desses povos de acordo com seus usos, costumes e tradições, estabelecendo, concretamente e de forma definitiva, o direito à ocupação fÃsica de área tradicionalmente indÃgena, sem que os atuais portadores dos tÃtulos nominas amarguem prejuÃzos aos quais não deram causaâ€, completou o procurador.
Conforme o MPF, as transferências de terras indÃgenas realizadas pela União na década de 40, mais especificamente no ano de 1943 do caso em tela, são absolutamente ilegais, pois à época, a Constituição Federal de 1934 já vedava expressamente qualquer transferência (doação/alienação) de terras ocupadas por comunidades indÃgenas. “O Ministério Público Federal não se opõe ao fato de os primeiros requeridos alegarem a boa-fé na aquisição do tÃtulo. Em alguns casos, como no que se apresenta nesses autos, a boa-fé é premente, visto que as terras foram concedidas pela própria União Federal, que tinha o dever legal de proteger as populações indÃgenas e fazer respeitar todos os seus bens. Apesar disso, esses tÃtulos são nulos e inaptos a produzir quaisquer efeitosâ€, ressalta o procurador no texto da ACP.
Ao requerer a nulidade dos tÃtulos das terras que sobrepõem a Terra IndÃgena Batelão, o procurador da República lembra que, para os indÃgenas, a posse das terras não se limita a um direito civil e de patrimônio, é muito superior a isso, tratando-se de uma questão cultural, no sentido antropológico, pois a terra é parte dos indÃgenas, de sua vida, de seus costumes, de seus ancestrais, e de sua existência. “Para os indÃgenas, a terra não é propriedade ou acúmulo de capital tal como concebida pelos ocidentais, mas é um elemento revestido de significados materiais e simbólicosâ€, completa o procurador, ao ressaltar que seja dada a imediata ocupação/permanência da área em questão aos indÃgenas Kawaiwete/Kayabi.
Além de pedir a devolução das terras utilizadas por particulares à União, e também a nulidade dos tÃtulos de posse, o MPF também requereu, na ACP, que seja determinado, em caráter de Tutela de Urgência, o bloqueio administrativo de nove matrÃculas de imóveis junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Porto dos Gaúchos, assim como a abstenção de proceder a abertura de novas matrÃculas e registros imobiliários e relação à s áreas em litÃgio, bem como realizar averbações para transferência de titularidade. Também pediu a fixação de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento da ordem judicial.