Na Assembleia Legislativa, durante uma audiência pública, a prisão de um vereador por Itanhangá, acusado de envolvimento na “venda” criminosa de terras da reforma agrária para o agronegócio, mostra uma das facetas da balbúrdia no campo, da falta de segurança jurídica e da quase total ausência do Estado na relação do agro com a função social da terra
Do pesadelo ao sonho bom
Fazenda Vale do Arinos, município de Tapurah, 12 de agosto de 1994. O pesadelo vira sonho. Sonho bom para 1.149 famílias de Lucas do Rio Verde, Diamantino e Tapurah, que um dia antes desmontaram suas barracas de lona plástica defronte ao Incra, em Cuiabá, e chegaram ao Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, numa área do Incra em Tapurah. Esse foi o embrião de Itanhangá.
O vento soprava forte no cerrado quando as famílias desembarcavam. Antes da chegada, peregrinaram por 30 dias num acampamento na fazenda São João, em Diamantino, até serem despejadas em 9 de maio de 1994. De lá, um grupo foi para Cuiabá e montou barracas na porta do Incra. Negocia dali, negocia daqui e o assentamento em Itanhangá saiu do papel. Virou realidade. Virou vila em 12 de agosto daquele ano e cidade em 29 de março de 2000 por uma lei sancionada pelo governador Dante de Oliveira, oriunda de projeto do deputado José Riva aprovado pela Assembleia Legislativa. Itanhangá pertence à comarca de primeira entrância de Tapurah.
A denominação do município tem origem na sabedoria popular. Em tupi-guarani Itanhangá significa pedra de fogo. Antigos moradores juram que era muito comum avistarem bolas de fogo nas áreas acidentadas próximo ao perímetro urbano. Daí deu no que deu.
Itanhangá é cidade com baixo índice de criminalidade, mas já carregou a pecha de ser a terceira em número de mortes violentas no país. O Mapa da Violência dos Municípios em 2008, publicado pelo Ministério da Justiça com base em dados de 2006, revelou que para cada grupo de 100 mil moradores em Itanhangá 105,7 foram assassinados. No topo do ranking ficou Coronel Sapucaia (MS), com 107,2 para igual grupo.
O Mapa não computou o caso do então presidente da Câmara de Itanhangá, Hildo Cezar Dallapria (PP), que em 20 de junho de 2006 foi vítima de emboscada. Dallapria foi atingido por oito tiros de calibre 22 e teve uma das mãos parcialmente mutilada pelas balas. Seu caso foi um entre tantos outros da violência que reinava no município, mas que não somaram para a composição daquele indicador.
Em 2007 Dallapria me recebeu em sua casa para uma entrevista e disse que o atentado teve motivação política. Acrescentou que tentou provar isso no inquérito policial, mas que o caso mergulhou numa densa nuvem e acabou abafado por forças poderosas.
SONHADORA – Dona Maria Ramos estava entre os que sonharam com Itanhangá e, acompanhando seu marido, Geraldo, chegou àquele lugar junto com os demais pioneiros. O Incra não contemplou dona Maria com parcela da reforma agrária, mas isso não a desanimou. Ela e Geraldo criaram cinco filhos e agora o casal tem 12 netos.
Sem chão pra plantar, Geraldo se vira na construção civil na cidade. O sonho de dona Maria não acabou; agora ele é por dias melhores para a filharada, “Nesta terra boa de viver”, como diz, mantendo o sotaque mineiro que trouxe de sua terra, Governador Valadares.
ITANHANGÁ – Juntamente com o vizinho Ipiranga do Norte – é o município mais novo de Mato Grosso. Sua instalação aconteceu em 1º de janeiro de 2005. A área territorial é de 2.898,073 km², 6.737 habitantes com densidade demográfica de 1,82 habitante por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,710 e a renda per capita, R$ 37.706,92. A economia local ainda não se inseriu ao mercado internacional.
A cidade não tem tratamento de esgoto, mas a água atende a todos os domicílios. Parte de Itanhangá é pavimentada. As vilas de Simioni e Monte Alto lhe pertencem. O município é banhado pelo rio Arinos da Bacia do Juruena. Itanhangá é interligada à malha rodoviária pavimentada e sua sede de comarca é Tapurah.
Transcorridos 26 anos do desembarque dos parceleiros pioneiros, o assentamento que os recebeu ainda não foi emancipado pelo Incra. Muitos contemplados com lotes os deixaram, os venderam por meio de contratos de gaveta, partiram em busca de novos horizontes, porque a burocracia do Incra infernizava suas vidas – dentre eles também havia os “profissionais” da reforma agrária, que aportam em assentamentos para levar algum tipo de vantagem.
A terra fértil de Itanhangá e a topografia que permite a mecanização despertaram interesse em produtores rurais e alguns compraram ou arrendaram lote para o cultivo da soja e milho safrinha. Com isso o município passou a se integrar ao modelo econômico de sua região, que é um dos principais polos do agronegócio brasileiro. Essa alteração no mosaico fundiário levou o governo federal, em 2010, a investigar o que se passava por lá.
Em novembro de 2014, portanto quatro anos depois do início das investigações, Itanhangá foi destaque na imprensa, com a deflagração pela Polícia Federal da Operação Terra Prometida para desbaratar um esquema criminoso de venda e posse irregular de lotes do assentamento que deu origem ao lugar. Essa operação foi levada a efeito por 350 policiais de oito estados, que cumpriram 146 mandados de busca e apreensão e efetuaram mais de 20 prisões.
Dentre os presos na Operação Terra Prometida, o empresário Marino Franz, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde, e Odair e Milton Geller, que são irmãos do deputado federal Neri Geller (Progressistas), à época ministro da Agricultura. Milton foi prefeito de Tapurah. Franz e os irmãos Geller foram soltos. O nome de Neri chegou a ser citado na Operação, mas o Ministério Público Federal apurou que ele não teve participação do caso.
Em 19 de dezembro de 2014, quando a operação estava em fase de tramitação de inquéritos e com diligências em campo, a Polícia Federal prendeu na Assembleia Legislativa o vereador por Itanhangá Silvestre Caminski (PPS) logo após sua fala numa audiência pública que discutia a questão das terras públicas. A justificativa para a prisão foi a preservação das investigações. Tal audiência foi requerida pelos deputados Nininho Bortolini (à época PR e agora PSD) e Ezequiel Fonseca (PP, que mais tarde seria deputado federal e não se reelegeria para o cargo). Caminski foi solto e o caso continua em curso com tempero em banho-maria, como tradicionalmente acontece nas questões agrárias.
FOTOS
1 – Dinalte Miranda
2 – itanoticias.com.br – Itanhangá
3 – Boamidia