Um áudio com informações sobre coronavírus disseminado nos dois últimos dias nas redes sociais tem gerado pânico. Na gravação, um médico de São Paulo relata detalhes de uma reunião realizada no Incor onde foram discutidas políticas de enfrentamento, disseminação e tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Mas as questões que geraram preocupação são as que dizem respeito à existência de transmissão comunitária no Brasil, possibilidade de explosão de casos da doença nos próximos dias, falta de leitos de UTI , necessidade de uso de respirador mecânico em doentes e a alta taxa de mortalidade entre idosos. Soma-se a isso a declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), queda de bolsas, países fechando fronteiras e o aumento exponencial no número de casos confirmados no Brasil e temos quase um apocalipse.
VEJA ouviu especialistas e esclarece abaixo os principais questionamentos sobre esse assunto.
De fato, há transmissão comunitária no país? Não. No momento, o Brasil apresenta dois tipos de transmissão da doença: local e importada.
Qual é a diferença entre transmissão local, comunitária e sustentada? Os casos importados são pessoas que foram diagnosticadas no Brasil, mas se infectaram em outro país. Na transmissão local, a fonte da infecção (pessoa que transmitiu) é conhecida. Já a transmissão comunitária ocorre quando há um aumento de casos e as autoridades de saúde não conseguem mapear a origem do vírus. Esse é o pior cenário, pois indica maior disseminação do vírus no país e menor poder de controle.
Os números da doença vão mesmo explodir? É possível. As autoridades de saúde trabalham com essa projeção porque foi o que aconteceu em outros países como China e Itália e, do ponto de vista de saúde pública, é preciso se preparar para o pior cenário. Mas isso não significa que vai de fato acontecer. “Precisamos esperar para ver o comportamento do vírus por aqui, mas se a epidemia se comportar da mesma forma que em outros países com surto da doença, espera-se um grande aumento no número de casos nas próximas duas ou três semanas.”, explica a infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio Libanês.
Estou com sintomas de gripe, devo me preocupar? No momento, o Brasil tem dez vezes mais casos de H1N1 do que coronavírus. “Portanto, quem está com sintomas de gripe nesse momento, a probabilidade maior é de H1N1 e não de coronavírus”, afirma o infectologista Celso Granato, direto clínico do Grupo Fleury.
Como diferenciar uma gripe comum do coronavírus? Os sintomas das duas infecções são iguais. A única forma de saber se a infecção é causada por H1N1 ou coronavírus é por exame laboratorial. No momento, como a incidência de H1N1 nesse momento é maior que a de coronavírus, o ideal é começar pelo de H1N1.
Devo fazer teste específico para coronavírus? “A recomendação é que o teste só seja feito em pessoas com sintomas – como febre, coriza e dor de garganta – e que procurem um hospital”, diz Granato. Quem não tem sintoma ou está com sintoma leve, parecido com um resfriado, não deve ir ao hospital nem fazer teste específico para coronavírus. Até porque, uma pessoa nessas condições pode ter um resultado inicial negativo, mas não significa que ela não poderá se contaminar e dar positivo em outro momento. “Fazer o teste sem necessidade não traz nenhuma informação útil e ela ainda estará gastando um recurso finito.”, alerta o infectologista.
Tem kit de diagnóstico para todos? Se todas as pessoas decidirem fazer teste para coronavírus ao mesmo tempo, não tem teste para todo mundo. “E nem precisa ter. Como para toda doença, o recurso é finito. Por isso o teste só deve ser feito em caso de indicação e necessidade”, reforça o Granato.
O governo federal tem um estoque de 30 000 kits. As secretarias estaduais compram também seus próprios lotes. São Paulo, a maior delas, está com 20 000 kits. O uso por enquanto será limitado, portanto. Serão destinados só para pacientes internados, pesquisa e para a rede sentinela, que são as unidades de saúde que identificam, investigam e notificam doenças.
A rede privada tem fôlego, mas a depender da procura, a coisa pode apertar. A rede DASA, que reúne 40 laboratórios no país, por exemplo, fez entre 11 de fevereiro e o dia de ontem 1 550 testes. Só hoje foram agendados 500. Os testes não são feitos nos laboratórios. São feitos em domicílio ou nos hospitais. O Hospital Albert Einstein já fez 2.429 testes.
Em caso de faltarem testes, há uma alternativa: diagnostica-se o coronavírus por exclusão. Ou seja, as pessoas fazem teste para outros vírus, como o H1N1. Caso dê negativo, a possibilidade de coronavírus é alta.
Vai faltar leito de UTI? Apenas os casos mais graves, que são minoria, precisam de UTI. Só haverá falta de leitos se nenhuma medida para reduzir a velocidade de transmissão do vírus for adotada e muitas pessoas ficarem doentes ao mesmo tempo – que é o que está acontecendo na Itália.
Interferon cura o coronavírus? Ainda não existe tratamento para o coronavírus. O Interferon, que é um remédio usado contra hepatite C e outras doenças já foi usado em alguns relatos de casos, em pacientes gravíssimos. Mas isso não o qualifica como um medicamento eficaz contra a doença. “O Interferon mexe na imunidade da pessoa e não é, em hipótese nenhuma, um remédio para ser usado por conta própria. Aliás, a automedicação não deve ser feita em nenhum caso”, reforça Granato.
Quais são os medicamentos mais usados hoje para combater a doença? Dá para comprar em qualquer farmácia? Ainda não existe tratamento específico para coronavírus. O tratamento é sintomático. “A recomendação é que pessoas com sintomas leves, que deverão se tratar em casa, tomem apenas antitérmicos, em caso de febre.”, diz Granato. Tomar bastante água e manter-se hidratado também funciona. “Não recomendamos anti-inflamatório por causa dos efeitos colaterais. Outros medicamentos, como antigripais também não são indicados porque podem mascarar o aparecimento de sintomas relevantes. Se chegar ao ponto de ter que tomar remédio, é hora de ir ao hospital”, diz Granato.
Quem deve ir ao hospital? Só deve ir ao hospital quem estiver realmente se sentindo muito mal e apresentar sintomas como febre alta e dificuldade para respirar. Se for só um resfriado ou gripe leve, a recomendação é ficar em casa.
Todo paciente com coronavírus precisa de respirador? Não. O respirador e outras medidas de suporte são indicadas apenas para os casos graves, que são a minoria. “O espirador vai ser usado quando a pessoa não conseguir esporteirar com o próprio pulmão e isso é exceção.
Tive contato com uma pessoa com coronavírus. O que devo fazer? O ideal é ficar isolado ou, no mínimo, evitar contato com outras pessoas – em especial idosos – por 15 dias. Se nesse período aparecerem sintomas como febre, dor de garganta, coriza e dor no corpo, use máscara e procura um hospital ou outro serviço de saúde.
Já existe uma vacina para coronavírus desenvolvida em Cuba? Ainda não existe nenhuma vacina para coronavírus. “Acredito que até o final do ano teremos uma vacina pronta para uso. Mas, no momento, essa opção não existe”, afirma Granato.
Existe algum modo de prevenir a doença? As únicas formas de prevenir a doença são evitar aglomerações, lavar as mãos, usar álcool gel e praticar a etiqueta respiratória. “Nesse momento, quem puder fazer home office e reunião por via eletrônica, deve fazer. Evitem shows, baladas, bares e lugares que tenham mais de 30 pessoas no mesmo ambiente. Em restaurantes, o ideal seria ter mesas afastadas umas das outras”, recomenda o infectologista.
Fechar as escolas é uma medida correta? Sim. “Por mais que não seja uma medida simples, fechar as escolas é uma medida certa para diminuir a transmissão de qualquer doença respiratória. As crianças e adolescentes geralmente não apresentam sintomas, mas ainda podem transmitir a doença. Além disso, essa medida pode ter impactos secundários, como reduzir a quantidade de pessoas em trânsito nas cidades, o que também contribui para um controle maior da doença.”, diz Granato.
Por que quem não tem a doença não precisa usar máscara? Usar máscara pode dar uma falsa sensação de segurança à pessoa. “A contaminação não acontece só pelo nariz e pela boca. É possível se contaminar pela mão, pelos olhos e até pela roupa. Se você conversar por muito tempo e muito próximo a pessoas doentes, por exemplo, gotículas expelidas por essa pessoa podem ficar na sua roupa e ao toca-la, você pode se contaminar”, esclarece o infectologista.