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ARTIGO: Para que serve a escola? Diz aí­: Por que a educação incomoda tanto? Por Eliane de Jesus

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Eliane de Jesus

O elogio da precariedade da escola passa por aprecia-la, cuidar dela, expandi-la, para que não se estabilize nem no efêmero nem no descartável, mas como uma condição vital de uma montagem que está sempre á  beira de sua destruição, mas também em movimento, aberto, capaz de apresentar o mundo e de ajudar a criar novas montagens, imaginando outros futuros.

Dussel, 2017

Como professora que pesquisa as infâncias é impossível escapar as questões da educação, e por certo improvável não me aproximar dos dilemas vivenciados nas escolas, com sua precariedade, com sua dualidade, sempre próxima da “destruição”, ainda assim, trazendo consigo uma palavra, apresentando ao mundo possibilidades outras, no movimento contínuo de que ali algo ainda se passa. “A escola é um lugar onde as coisas podem simplesmente achar o seu lugar (comum) e acontecer”[1].

Confesso nessas linhas, ao estilo de quem confidencia algo que lhe é muito caro, que tenho questões quanto ao elogio da escola; falo como quem tenta se posicionar para além de idolatrias tão própria dos adoradores, não fujo à crítica tão necessária. Nosso modelo de educação está distante da perfeição, mas o bombardeio que vem sofrendo ultimamente não deixa de ser curioso e um tanto desconcertante também.

Trago em minha dissertação de mestrado que se encontra em andamento, uma discussão sobre a escola enquanto phármakon, remédio e veneno ao mesmo tempo[2], pelas multiplicidades que abriga, por seu caráter flutuante, de um espaço ocupado por diferentes indivíduos, amparado e regido por leis e regulamentos internos. Pensando um pouco nos documentos oficiais, no caso da educação básica, temos:

“[…] a Lei nº 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e o Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso Nacional em 26 de junho de 2014. Outros documentos fundamentais são a Constituição da República Federativa do Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente”[3]

Apesar dos documentos que normatizam e norteiam os procedimentos adotados nas escolas, o que vimos nos últimos meses foi uma avalanche de notícias, textos e vídeos de pessoas dentro e fora da área apontando e acusando problemas[4] das instituições educativas, que seriam resultantes da omissão do estado e da ação de professores conduzidos por preferências teóricas e partidárias, como se as escolas fossem uma propriedade particular do professor, uma espécie de “casa”, onde a ele fosse dado o direito de agir como bem entendesse.

Começamos com pequenas críticas, pequenas notícias bombásticas, Fake News, e hoje temos um cenário de desmonte, de ataque, que convenhamos não é mérito apenas da atual conjuntura política, a educação está vez ou outra sob ataque, seja por seu caráter ambíguo, por sua crença em um salvacionismo, emancipação ou de doutrinação e domínio partidário.

Nos dias quinze e trinta de maio foram realizados pelo país atos em defesa da educação, culminando com chamado à Greve Geral no dia quatorze de junho. Sem aprofundar nesse cenário, nas pautas e demandas das mobilizações, gostaria de chamar a atenção para a repercussão disso na mídia. Chega até nós posicionamentos contra e a favor, até aqui não há surpresas, todos têm direito de escolha, o que me surpreende é que entre tais posturas se destaquem àquelas que entendem que defender a educação é defender o partido “A ou B”, por se identificarem com o partido “C ou D” vão na contramão disso.

“Nunca acreditei em verdades únicas. Nem nas minhas, nem nas dos outros. Acredito que todas as escolas, todas as teorias podem ser úteis em algum lugar, num dado momento. Mas descobri que é impossível viver sem uma apaixonada e absoluta identificação com um ponto de vista. No entanto, à medida que o tempo passa, nós mudamos, e o mundo se modifica, os alvos variam e o ponto de vista se desloca. Num retrospecto de muitos anos de ensaios publicados e ideias proferidas em vários lugares, em tantas ocasiões diferentes, uma coisa me impressiona por sua consistência. Para que um ponto de vista seja útil, temos, uma voz interior nos sussurra: “Não o leve muito sério. Mantenha-o firmemente, abandone-o sem constrangimento”.[5]

Em tempos de dúvidas e certezas, muitas vezes tentamos sustentar verdades únicas, parece “impossível viver” sem a firme defesa de um ponto de vista, mas esperemos que quando se fizer necessário, para além de posições partidárias, a escola seja defendida por aquilo que ela oportuniza e criticada pelo que deixa de propiciar.

Passei por muitas escolas, certamente os que leem esse texto também; eis que esse passar pela escola contribuiu de alguma forma para a constituição das minhas subjetividades. Tento manter alguma sanidade frente a tempos insanos. Sobre opiniões, consinto com Brook “não as levo tão a sério, ora as mantenho, abandonando sem culpa” quando já não dão conta da realidade.

Desejo sinceramente que nossas crianças tenham acesso à educação de qualidade, que encontrem nas escolas o acolhimento para viver suas infâncias, que possam partilhar suas experiências e ter respeitadas suas singularidades. “As experiências escolares remetem à experiência de estar-no-meio de coisas, à experiência de um curso de vida interrompido em que novos cursos se tornam possíveis”[6]. Que para além do jogo de poder e saber já apontado por Foucault, possamos nos fazer resistência, quem sabe esquecimento, “esquecer nossa obstinação por educar as crianças e alimentar nossa paixão de encontrar infâncias que nos eduquem”. Aprender com as crianças, afinal:

“[…] toda e qualquer decisão na escola afeta a vida das crianças, seja direta ou indiretamente, e as mesmas têm direito de conhecer, elaborar e reelaborar sua existência neste espaçotempo”[7]

As vozes das crianças precisam ser ouvidas, elas importam, as infâncias contam, dizem de si, de nós, das escolas. Na educação tudo isso conta, mas, enfim, quem está contando?

Eliane de Jesus – Mestranda no PPGE/UFMT, especialista em metodologias de ensino pela UFG e professora no município de Porto dos Gaúchos.

Referências

ARAUJO, Mairce; OLIVEIRA, Daniel de; SILVA, Cintia de Assis R. da. Escutar as vozes das crianças como contribuição a formação docente no cotidiano: construindo o direito à participação e à autoria. In: CARREIRO, Heloisa Josiele Santos Carreiro; TAVARES, Maria Tereza Goudard (Orgs.). Estudos e pesquisas com o cotidiano da educação das infâncias em periferias urbanas. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018.

DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tradução: Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras, 2005.

DUSSEL, Inés. Sobre a precariedade da escola. In: LARROSA, Jorge (org.). Tradução: Fernando Coelho. Elogio da Escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Experiências escolares: uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica. In: LARROSA, Jorge (org.). Elogio da Escola.  Tradução: Fernando Coelho.Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

[1]  Masschelein e Simons (2014, p.197).

[2]  Derrida, 2005.

[3]  Portal do MEC, disponível em: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/apresentacao.

[4]  Cabe citar: entre eles Fake News.

[5]  Brook, 1995.

[6]  Masschelein e Simons (2017, p.56).

[7]  Araújo, Oliveira e Silva (2018, p.129).

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