Home Porto dos Gaúchos PIONEIRISMO – O modelo de colonização iniciado em 1955 por Guilherme Meyer e que inspirou as cidades planejadas em Mato Grosso

PIONEIRISMO – O modelo de colonização iniciado em 1955 por Guilherme Meyer e que inspirou as cidades planejadas em Mato Grosso

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Empresário bem-sucedido no Rio Grande do Sul, Guilherme Meyer, apelidado Willy, era audacioso em seus sonhos e enxergava além da linha do horizonte. Somente alguém com seu perfil seria capaz de liderar um empreendimento sem nenhum incentivo oficial para criar um projeto de colonização agropecuária na Amazônia Mato-grossense, em 1955, na área hoje conhecida por Nortão e que à época não tinha uma vila sequer. Essa aventura resultou na emancipação do município de Porto dos Gaúchos, em 11 de novembro de 1963. Mais que fundar uma cidade, Willy inspirou o modelo de colonização que ocuparia o vazio demográfico e transformaria Mato Grosso num dos mais importantes pilares da política de segurança alimentar mundial.

 

De berço alemão, Willy nasceu do Rio Grande do Sul, na região mais alemã fora da Alemanha. Mesmo assim, incorporado ao Exército Brasileiro foi enviado ao teatro da guerra contra o nazifascismo, mas acabou não embarcando em razão da morte do pai. No posto de sargento deixou o Exército.
Sócio com os irmãos numa transportadora e uma fábrica de móveis em Santa Rosa (RS) Willy voltou o olhar para Mato Grosso, atraído pela mística da região e pelo programa de ocupação do vazio demográfico no Brasil interior criado por Getúlio Vargas.
Em 1º de outubro de 1954 Willy e seus irmãos criaram a Colonizadora Noroeste Matogrossense Ltda. (Conomali), com sede em Santa Rosa, para atuar na venda de lotes da Gleba Arinos, de 120 mil hectares, que compraram de Afrânio Motta, em Diamantino, e que mais tarde seria aumentada para 220 mil hectares.
Ilhas Matrinchã e Jacutinga
Em 12 de dezembro de 1954, antes mesmo de pisar o solo da gleba, Willy instalou em Porto Alegre um escritório de venda de lotes rurais. O interesse era grande pois à época o perfil econômico do Rio Grande do Sul era ancorado na produção rural e agricultores ditos endinheirados queriam expandir suas áreas – nada melhor do que a imensidão mato-grossense.
Num monomotor e acompanhado pelo diretor da Conomali, Alfredo Leandro Carlson, Willy sobrevoou parte da gleba. Seus olhos brilharam com o espetáculo da natureza oferecido pelo rio Arinos que se esparrama para direita e esquerda abrindo espaço para às ilhas Matrinchã e Jacutinga, que pelo formato receberam a denominação popular de Ilha Coração Partido; por conta de ambas, as águas do Arinos, reverentes, passam silenciosas entre as duas tendo às margens a mata exuberante, verde com traços de folhagens amarelas, roxas, vermelhas e brancas.
Em Santa Rosa, Willy organizou uma expedição para ocupar a Gleba Arinos. Em 23 de março de 1955 um comboio de caminhões e utilitários deixou aquela cidade em busca da aventura num local distante 2.500 quilômetros, num ponto perdido na Amazônia Mato-grossense, que nem nos mapas figurava. A viagem virou assunto de todos em Santa Rosa e região, tanto pela aventura de embrenhar-se pela mata quando pelo maior tremor de terra registrado no Brasil, até hoje, que aconteceu em 31 de janeiro de 1955, na Serra do Roncador, perto do local onde seria construída Porto dos Gaúchos e que alcançou a magnitude de 6,2 na escala Richeter.
Em razão daquele abalo sísmico e de outros, a Universidade de Brasília (UnB) montou um observatório sísmico numa fazenda entre Porto dos Gaúchos e Tabaporã. Em 23 de março de 2005 outro forte abalo fez a terra tremer na região chegando a 5,2 pontos; à época difundiu-se a falsa informação de que teria acontecido um teste nuclear no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, da Aeronáutica, mais conhecido como Base Aérea do Cachimbo, na Serra do Cachimbo, no Pará, perto de Guarantã do Norte. Tremores menos intensos são registrados com relativa frequência, mas não causam danos materiais por tratar-se de zona rural.
Depois de 45 dias na estrada e navegando pelo Arinos, a expedição de Willy desembarcou na Gleba Arinos, num improvisado atracadouro que recebeu o nome mais indicado: Porto dos Gaúchos, bem ao lado da Ilha Coração Partido que o encantou em seu sobrevoo.
Agricultores, pecuaristas, comerciantes, madeireiros, prestadores de serviço, peões, prostitutas, religiosos, caminhoneiros, mateiros, topógrafos, farmacêuticos, professores, corretores, alunos chegaram aos poucos e o lugar mesmo com predominância gaúcha, virou verdadeiro mosaico social da nacionalidade brasileira. O povoado ganhou ares de vila e não demorou para emancipar-se de Diamantino, o que aconteceu em 11 de novembro de 1963, graças a articulação de Willy, pois o lugar não tinha infraestrutura para sede de município. A lei que o emancipou foi de autoria dos deputados Agápito Boeira e Walderson Coelho e sancionada pelo governador Fernando Corrêa da Costa.
Porto dos Gaúchos foi onde o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), embrião do Incra, aprovou o primeiro projeto de colonização rural no Brasil – empreendimento que levou a chancela de Willy à frente da Conomali, que tinha em sua gerência uma das figuras mais emblemáticas do Vale do Arinos, José Pedro Dias, o Zé Paraná, que foi político naquele e nos municípios de Diamantino e Juara.
Na região de Porto dos Gaúchos, quando de sua colonização, havia extração de látex de seringais nativos, sobretudo na Estrada do Rio Novo, que em 1971 ganharia a Cuiabá-Santarém em paralelo. Willy teve interesse pela heveicultura e cultivou seringais, além de cafezais. Durante décadas Porto dos Gaúchos foi uma das referências mato-grossenses na produção de seringa para a indústria pneumática. Acompanhado as transformações no campo, a economia do município agora é alicerçada na pecuária e nas lavouras de soja e suas rotações culturais.
Willy foi o primeiro prefeito e mais tarde conquistaria o segundo mandato. Mais que esse cargo, fundou o município e conseguiu colonizá-lo sem nenhum tipo de apoio por parte dos governos federal e estadual. O acesso a Porto dos Gaúchos era pelo Arinos, mas a Conomali abriu uma estradinha que fazia sua ligação com a Estrada do Rio Novo. À margem dessa via a comerciante Rosalina de Jesus Maciel, a Baiana, montou uma pensão e restaurante. Seu estabelecimento mas que ponto de apoio aos viajantes virou referência, e ela, emprestou seu apelido a rodovia quando de sua estadualização com a nomenclatura MT-338 Estrada da Baiana. Na região, Baiana não foi o único nome feminino forte, Carmem Lima Duarte certa vez disputou e venceu a eleição para prefeita.
Willy trocou o Rio Grande do Sul por Porto dos Gaúchos, mas sempre visitava sua terra natal. Em 8 de fevereiro de 1994, em Porto Alegre, o colonizador e sonhador fechou os olhos para sempre. Seu corpo foi sepultado na capital gaúcha e mais tarde trasladado para o cemitério de Porto dos Gaúchos, onde está sepultado ao lado de sua mulher e pioneira naquele município, Gertrudes.
No braço, mas o possante não ficava pelo caminho
O colonizador deixou uma cidade com topografia plana, banhada pelo amazônico rio Arinos, com baixo índice de criminalidade e forte presença da Igreja Luterana, onde professava sua fé. Seu município tem 6.846,668 km² e 5.344 porto-gauchenses; é sede de comarca, com renda per capita de R$ 71.499,20 distante 670 quilômetros de Cuiabá e interligado à malha rodoviária nacional pavimentada.
Graças ao sonho de Willy, Porto dos Gaúchos ao longo de sua trajetória histórica recebeu milhares de gaúchos e brasileiros de outros estados em busca de espaço para plantar, colher e viver em paz. Sua cidade foi a pioneira na área que a partir de 1971 seria o eixo de influência da rodovia BR-163, a Cuiabá-Santarém, no Nortão, região formada por aquele e outros 34 municípios: Santa Rita do Trivelato, Nova Ubiratã, Vera, Santa Carmem, Cláudia, Feliz Natal, União do Sul, Marcelândia, Novo Mundo, Nova Guarita, Colíder, Nova Canaã do Norte, Carlinda, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Juara, Tabaporã, Novo Horizonte do Norte, Itanhangá, Ipiranga do Norte, Tapurah, Guarantã do Norte, Matupá, Peixoto de Azevedo, Terra Nova do Norte, Nova Santa Helena, Itaúba, Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum.
 
Os registros de Walter Irgang
A presença de um jornalista nos passos iniciais do projeto evidencia a visão de Willy, que percebeu a necessidade de levar para junto aos clientes em potencial a realidade de seu empreendimento. Porto dos Gaúchos ganhou o Museu da Colonização Guilherme Meyer, e seu dia a dia é divulgado por vários jornalistas do município, com destaque para Roseno Barros, que edita o site local  portonoticias.com.br A trajetória de Willy e a construção de Porto dos Gaúchos, em parte foram registrados pelo jornalista Walter Irgang, que chegou com os pioneiros na Gleba Arinos, e que foi contratado para produzir textos para divulgação em Porto Alegre do projeto da Conomali. À época Irgang concluía o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

 

 

Centro de Porto dos Gaúchos
PIONEIRISMO – Graças ao pioneirismo de Willy, mais tarde, sobretudo nos anos 1970 e 1980, a criação de vilas mato-grossenses foi levada adiante por colonizadores, pelo governo estadual e o Incra. Até então, salvo algumas exceções, as cidades brotavam do garimpo, pecuária ou da localização geográfica, mas sem nenhum planejamento urbanístico como aconteceu com Cuiabá, Cáceres, Barra do Garças, Diamantino, Poconé, São Félix do Araguaia, Alto Garças, Barão de Melgaço, Rosário Oeste, Alto Araguaia, Paranatinga, Alto Paraguai, Barra do Bugres, Ribeirão Cascalheira e tantas outras.
Inspirados em Willy projetos de colonização espalharam-se por todas as regiões. Em Sinop, Cláudia, Santa Carmem e Vera, por Ênio Pipino; Água Boa, Canarana, Querência, Terra Nova do Norte e Nova Guarita, por Norberto Schwantes; Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás, por Ariosto da Riva; Sorriso, por Claudino Francio;  Primavera do Leste, por Edgar Consentino; Campo Verde, por Otávio Eckert; Sapezal, por André Antônio Maggi; Nova Mutum, por José Aparecido Ribeiro; Colniza, por Antônio Carlos Grimaldi; Guarantã do Norte, pelo Incra sob a liderança de José Humberto Macedo; Juara e Tabaporã, por Zé Paraná; Juína, pela estatal Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat) liderada por Hilton Campos; Rio Branco, Salto do Céu e Lambari D’Oeste, pela Companhia de Planejamento da Produção (CPP), do governo estadual, liderada por João Augusto Capilé Júnior, o Sinjão; Matupá, pelo Grupo Ometto; Vila Rica, por Rubens Rezende Peres e Alair Álvares Fernandes; e Ipiranga do Norte e Itanhangá, pelo Incra; Feliz Natal, por Antônio Domingos Debastiani e Itaúba, e pelos Irmãos Bedin.
MEMÓRIA – Além do Museu da Colonização Guilherme Meyer, Porto dos Gaúchos reverencia a memória do fundador com uma avenida que leva seu nome. A Assembleia Legislativa concedeu a Willy o Título de Cidadão Mato-grossense.
Em 18 de março de 1997 o governador Dante de Oliveira sancionou uma lei de autoria do deputado José Riva denominando de “Rodovia Guilherme Meyer” o trecho da MT-220 entre a BR-163 e Porto dos Gaúchos. Porém, a aprovação de projeto de lei dos deputados Dilmar Dal’Bosco e Baiano Filho sancionado pelo governador Pedro Taques rebatizou o mesmo trecho de “Rodovia Ivete Maria Crotti Dorner”. Ivete morreu em 6 de maio de 2015 num acidente naquela estrada; a camionete que ela dirigia capotou. A homenageada era mulher do ex-deputado federal Roberto Dorner, atual prefeito de Sinop.
Fotos: Acervo Conomali/www.portonoticias.com.br – Porto dos Gaúchos

Fonte: https://www.blogdoeduardogomes.com.br/143878-2/

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